Entrevistar candidatos diminui sua chance de escolher o melhor – GV n. 240

Nesta semana, li um artigo da revista Fast Company que me deixou bastante intrigado. Ele foi baseado em uma descoberta feita pelos autores do livro Made to stick (ainda sem tradução no Brasil), Dan Heath e Chip Heath, sobre a relevância da entrevista pessoal no processo de recrutamento e seleção. A chamada “Entrevistar candidatos diminui suas chances de escolher o melhor”.

 

Estranho, não é mesmo? Afinal, durante muitos e muitos anos, executivos de todas as áreas e tamanho de empresas basearam suas contratações na entrevista, no cara a cara, fazendo perguntas, como: “Qual sua maior qualidade?”, “Por que você acredita ser o profissional ideal para esta vaga?”, etc.

 

Entretanto, os autores descobriram que, quando entrevistamos alguém, deixamos de lado o o currículo, as características e a qualidade do trabalho da pessoa e damos lugar ao nosso feeling pessoal sobre determinado indivíduo – a maneira como ele se veste, comporta-se, fala e lida com a situação torna-se, repentinamente, mais importante.

 

Acredito que isso aconteça porque o ser humano confia demais em sua capacidade de adivinhação e intuição. Aqui, vale lembrar que a chance de um profissional que foi muito bem em uma entrevista realizar um ótimo trabalho em sua empresa é de 50% e a daquele que foi mal também é de 50%, ou seja, a qualidade do futuro colaborador não é mostrada nesse processo de recrutamento.

 

Nos EUA, por exemplo, é bastante comum as faculdades darem muita importância para a entrevista de seleção. Eu mesmo, quando fui cursar meu mestrado nesse país, tive de passar por uma entrevista com o coordenador do curso, sendo que minha experiência na área já poderia comprovar que eu era uma pessoa “indicada” para estar ali.

 

A entrevista surgiu justamente para eliminar as possíveis mentiras que podem ocorrer no currículo e, agora, está sendo questionada se cumpre esse papel corretamente.

 

Usando a teoria de que a entrevista não ajuda em nada na contratação do melhor profissional, Dan e Chip usam este exemplo: nos EUA, uma faculdade de medicina utilizou seu processo natural de seleção de estudantes e, além da análise do currículo, também fez entrevistas. A partir disso, selecionou 200 candidatos para iniciar o curso (aqueles que tinham ido muito bem).

 

No entanto, a secretaria de educação resolveu, de última hora, liberar mais 200 vagas. Então, o coordenador também chamou aqueles estudantes que não tinham ido bem na entrevista. Alguns anos depois, quando esses profissionais se formaram e começaram a trabalhar no hospital fazendo residência, foi comprovado que as notas dos que tinham sido selecionados por meio da entrevista possuíam a mesma qualidade daquelas obtidas por quem não havia ido bem nesse processo e, além disso, os melhores alunos não tinham relação alguma com a entrevista inicial que foi feita antes de entrarem para a faculdade.

 

Pensando nesse exemplo, comecei a questionar que realmente o ato de entrevistar candidatos é falho. Preparamos as perguntas (que são basicamente as mesmas) e os candidatos podem ter as respostas prontas. Assim como é possível mentir no currículo, também é possível dar uma “enrolada” na entrevista.

 

O pior é que nos sentimos felizes quando algum dos candidatos responde o que realmente queremos ouvir: “Eu sou dedicado, adoro os produtos e serviços dessa empresa, quero ajudá-los a cumprir sua missão, sou responsável e sei trabalhar bem com pressão, trabalho muito bem em equipe, quero crescer e estou sempre em desenvolvimento…”.

 

Quando ouvimos isso, nosso corpo nos joga uma dose de endorfina e ficamos apaixonados pelo candidato que tem carisma, sabe falar bem e consegue prender a atenção no que está falando. Sem contar que gerentes não veem a hora de encontrar uma pessoa para a vaga, pois o processo de recrutamento e seleção dá muito trabalho, toma tempo e, além disso, o posto está “vago”, e isso incomoda demais.

 

Quando gostamos de alguém na entrevista, quando existe “química”, começamos mentalmente a justificar para nós mesmos como aquela pessoa precisa ser contratada. Ficamos torcendo para ela ir muito bem e, assim, nosso ego fica feliz com mais um acerto.

 

Os autores do livro dizem que é justamente aí que mora o perigo desse processo. Alguns indivíduos nos conquistam, mas, de volta à realidade e passada a empolgação do momento, todo o brilhantismo da entrevista nem sempre se traduz em qualidade no trabalho.

 

Por isso, muitas vezes, é preferível contratar se baseando em fatos reais, e não apenas em conversa. É preciso analisar o currículo, fazer testes de perfil e, o melhor de todos, pedir uma amostra do trabalho, e isso não é difícil.

 

Por exemplo: se você precisa contratar um vendedor, peça para os candidatos lhe venderem alguma coisa (pode ser uma caneta ou um pacote turístico), mas não especifique como devem fazer isso. Os vendedores de verdade, aqueles que levam jeito para a coisa, conseguirão uma maneira de envolvê-lo rapinho na venda deles – vão ligar, passar um e-mail ou, talvez, fazer uma visita. Eles irão fazer um levantamento de suas necessidades, criar em você a vontade de ter o produto que estão vendendo, irão saber superar objeções, negociar preços e condições… e você realmente ficará tentado a comprar o que estão vendendo!

 

Depois de uma amostra como essa, você acha que vai estar mais ou menos preparado para escolher alguém para sua equipe que se tivesse feito apenas uma entrevista?

 

E esse tipo de técnica serve para qualquer profissão. Se for contratar um assistente de RH, por exemplo, dê aos candidatos um pequeno trabalho para fazerem e, logo em seguida, peça para eles apresentarem a você. Que tal pedir para desenvolverem um projeto de treinamento para sua empresa?

 

Esta é a ideia principal aqui: basear sua escolha em uma entrevista não lhe dará garantias de que aquela pessoa vai atender às suas expectativas – ou o que é ainda pior: normalmente, aquelas que vão bem em uma entrevista criam ainda mais expectativa, fazendo com que nos decepcionemos com elas mais rapidamente. Além disso, você pode estar deixando de contratar alguém muito bom.

 

Pense nisso e faça um teste em sua próxima contratação. Você pode se surpreender!

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