Hermann Simon: O lucro é o que importa

Hermann Simon: O lucro é o que importa Imagine, leitor, que você é contratado para tocar uma revista tradicional e respeitada nos Estados Unidos, que ultimamente anda dando prejuízo. Todos os meses, são 450 mil exemplares distribuídos em bancas, livrarias e para assinantes. Você convoca uma reunião geral. Na sua frente, há repórteres, editores, vendedores de anúncios e pessoal do telemarketing. Seu discurso pode ser resumido em: ?Vamos reduzir a circulação para 330 mil exemplares e aumentar o preço?.

Quantos, nessa situação, já pensariam em pedir a cabeça do novo presidente e começar a enviar currículos para todo mundo, a fim de fugir da canoa furada? Afinal, o que ele estava propondo era, basicamente, perder clientes e mercado e vender menos.

A partir de então, a revista em questão, Atlantic Monthly, passou a dar lucro. A história foi contada por Hermann Simon em entrevista exclusiva à VendaMais durante o Fórum Mundial de Lucratividade, realizado recentemente pela HSM, em São Paulo.

Simon é um dos grandes especialistas em marketing, estratégia e gestão de preços da Europa, além de autor de diversos livros, entre eles O Poder dos Preços (editora Futura) e Gerenciar para o Lucro Não para a Participação de Mercado (editora Bookman). Veja o que Hermann Simon tem a ensinar para você.

VendaMais ? O senhor fala muito, em seu livros e palestras, sobre evitar as guerras de preço a qualquer custo, e que a briga pela fatia de mercado não é importante. Por que o senhor sustenta esse posicionamento?

Hermann Simon ? Só há três maneiras pelas quais uma empresa pode ter lucro: volume, custo e preço. Desses itens, diminuir o preço é o que mais afeta a lucratividade e o que geralmente recebe a menor atenção em reuniões. Custo é um pouco menos importante, porque você só pode cortá-los até um limite, enquanto a flexibilidade do preço é bem maior. Volume é menos importante, porque conforme ele aumenta os custos variáveis também sobem. Preço e descontos são variáveis que permitem maior flexibilidade e, por isso, muitas vezes são postas em segundo plano.

VM ? Mas os vendedores, em geral, são treinados para se preocupar apenas com a fatia de mercado, sob a ótica de que cada cliente é importante.

HS ? Isso precisa ser mudado. O vendedor não deve ter medo de perder o cliente. As empresas devem se orientar para o lucro e precisam que os vendedores acompanhem esse movimento. É um engano ter as ações de incentivo ligadas a volume ou receita. Em vez disso, deve-se ligá-las à lucratividade e à margem de vendas. Há uma empresa brasileira, a Wurth, que trabalha com incentivo antidesconto: quanto menor o desconto, mais os vendedores ganham.

VM ? Como fazer com que os vendedores prestem mais atenção na lucratividade?

HS ? É preciso, antes de tudo, treinar seu pessoal. Existem empresas que criam políticas antidesconto, por exemplo, quanto maior o desconto, menor a comissão, mas é preciso tomar muito cuidado com elas, pois nem sempre funcionam. O melhor é ficar só com o treinamento.

VM ? Por que essas políticas podem não funcionar?

HS ? Deixa eu dar um exemplo de uma financeira européia: o CEO estava preocupado com a quantidade de descontos dados por seus vendedores e tentou incutir neles o cuidado com a lucratividade através de uma norma ? qualquer negócio que desse menos de 25% de lucro só se realizaria com a aprovação direta dele. Na primeira e na segunda semana ainda havia um ou outro contrato para aprovar. Em dois meses, nenhum vendedor mais o procurava. Parece bom, não é? Na verdade, o que aconteceu é que todos os vendedores passaram a fechar negócios com exatos 25,1% de lucratividade. Aí, aquele executivo procurou minha empresa, desesperado. Antes ele tinha vendedor fechando negócio com 20% de lucratividade, mas outros também fechavam com 30% ou 32%, ou seja, o faturamento da empresa despencou. Mandei que ele suspendesse a norma dos 25% imediatamente e passamos a educar os funcionários a respeito do lucro.

VM ? Então, o negócio é procurar pequenos nichos de mercado?

HS ? De jeito nenhum. Eu não sou contra nem inimigo de grandes participações no mercado. Sou contra as participações no mercado ganhas através de guerras de preço, excesso de descontos e serviços que acabam com a lucratividade da empresa. Permita-me dar um outro exemplo: minha empresa introduziu recentemente um sistema de preço não-linear em uma rede de cinemas dos Estados Unidos. O preço que o cliente paga depende de quantos filmes ele assiste por mês naquela rede. Um simples cartão de fidelidade marca quantas vezes ele visitou as salas de projeção. Assim, conseguimos o que parecia impossível: aumentamos o preço médio do ingresso de 5,5 dólares para 6,3 dólares e aumentamos o número de visitas em 22%. Outro exemplo é as flat rates dos telefones celulares, não sei se já chegaram no Brasil.

VM ? Não.

HS ? Pois é, na Europa e nos Estados Unidos, são uma praga. A oferta é a seguinte: você fala o quanto quiser no celular e paga apenas 30 dólares. O que o cliente não percebe é que antes ele gastava 24 ou 22 dólares por mês. É um serviço que deixa o cliente mais satisfeito, pensando que está fazendo um bom negócio, e aumenta muito a lucratividade da empresa.

VM ? O senhor falou em excesso de serviço. O que isso significa?

HS ? Sim, algumas empresas apenas adicionam serviços a seus clientes, sem a contrapartida do preço, por exemplo: um dia precisei fazer uma reforma em meu escritório. O empreiteiro entregou de graça todos os materiais no 20º andar do prédio. Isso é uma atitude de quem quer apenas aumentar sua participação no mercado. A regra para implantar serviços é: os clientes estão dispostos a pagar mais por ele? Se não, o serviço não tem valor e você deve pensar bem antes de implantá-lo.

VM ? Então, o senhor acredita que não há razões para diminuir o preço?

HS ? Não, nem mesmo para clientes estratégicos. Veja a Porsche. A política é: quando seus modelos começam a ficar ultrapassados, eles diminuem a produção, mas não mexem no preço nem dão descontos. Assim, mantêm o valor da marca na cabeça do cliente e não desvalorizam o produto. O porsche continua sendo aquele carro exclusivo ? existe aquela anedota que diz que o pior pesadelo para o dono de um porsche é encontrar outro na mesma rua ? e eles mantêm a lucratividade. Tanto é verdade, que a Porsche está comprando a Volkswagen, empresa muito maior e que tem políticas de preço mais relaxadas.

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