Inadimplência: vender é uma coisa, receber é outra

Em algumas empresas que conheço, o departamento de crédito deveria ter um compartimento no teto para máscaras de oxigênio – quando o cliente vê as taxas de juro que terá de pagar, e começa a perder o fôlego, as máscaras caem e salvam o pobre coitado (pelo menos da falta de ar). Afinal, como parasitas e vírus já aprenderam há milênios, não se pode sugar o sangue de um morto, e as empresas têm o maior interesse em manter seus cliente vivos. O segredo, para alguns tipos de ””””empresários””””, é deixar o cliente fraco o suficiente para não tentar fugir, e saudável o suficiente para poder sugá-lo mais um pouquinho.

Mas não adianta ficar andando de costas o tempo inteiro para não ter que encarar a realidade – até porque quem usa essa tática acaba levando os problemas bem no meio do traseiro.

Embora haja uma gritaria imensa sobre o tema, principalmente nos profissionais do espalhafato como a Folha de São Paulo, e até mesmo algumas associações comerciais, que se beneficiam do pânico generalizado, a verdade é que a situação da inadimplência não é tão escabrosa quanto pintam.

Em pesquisa coordenada pela equipe editorial da Técnicas de Venda e realizada pela IN Pesquisa & Marketing, quase 50% dos entrevistados (47, 3%, para ser mais exato), afirmaram que no seu mercado a inadimplência é baixa (sendo baixa definida pela maioria dos próprios entrevistados como menos de 5%). Para 23,4% a inadimplência é considerada alta, sendo ””””alta”””” definida pelos os próprios profissionais como até 35%, mas em alguns casos pode chegar a mais (nosso recordista foi 65% – ou seja, de cada 3 vendas, ele perde duas por falta de pagamento).

5%
O número mágico
Por algum motivo, independentemente do tamanho da empresa, o número 5% surgiu como o mais esperado em termos de níveis de inadimplência. Para a imensa maioria das pessoas, mais do que 5% de inadimplência é muito – menos do que 5% está ótimo.

E porque isso acontece? Como diria Humphrey Bogart em Casablanca, poderíamos mandar prender os suspeitos de sempre:

· Má administração financeira
· Falta de estabilidade econômica (desemprego)
· Vendas forçadas
· Falta de compromisso (vendedor/comprador)

Essas são as principais causas para uma empresa ter altas taxas de inadimplência. Já de cara podemos notar que, das quatro, três são de responsabilidade da própria empresa/departamento de vendas – e os próprios empresários sabem disso. Ou seja: são coisas que estão completamente dentro da sua área de controle e influência. E para melhorar isso não precisa fazer passeata em Brasília.

E quem tem inadimplência baixa, o que está fazendo de diferente? Basicamente, selecionar clientes. Para essas empresas, é muito melhor vender menos, mas com segurança, do que parecer que vende muito, e depois não receber. As ações práticas mais comuns de quem tem inadimplência baixa:

· Consultar SPC/SERASA/SCI (37,77%)
· Acompanhar de perto os pagamentos (16,49%)
· Manter o cadastro dos clientes sempre atualizado (15,43%)
· Verificar dados cadastrais (13,3%)
· Fazer análise de crédito (10,64%)
· Selecionar clientes (10,11%)

Alguns comentários sobre os números acima:
• De cada 3 empresas no Brasil, só 1 consulta algum serviço de proteção ao crédito.
• 1 em cada 6 acompanha de perto os pagamentos (e não pagamentos) como forma de diminuir a inadimplência. Isso é muito pouco. Sabe-se que, quanto mais rápido o contato, maiores as chances de recuperação de uma dívida.
• Estamos quase no século XXI, e ainda existem empresas que não têm cadastro de clientes, que têm mas ele está desatualizado ou, pior ainda, têm cadastro atualizado, mas o vendedor não pode ou não consegue consultar na hora de venda. Isso é uma vergonha, diria o Boris Casoy. Para o especialista em Direito Comercial Fernando Bargueño ([email protected]), a fase da pré-venda é, seguramente, a mais importante de qualquer relação comercial. Significa a fase de análise, averiguação e pesquisa. Uma atuação falha nessa hora pode vir a ser sinônimo de prejuízo certo.

Nas relações comerciais de até R$ 1000,00, o trabalho a ser desenvolvido é o de pesquisa em órgãos de proteção ao crédito – isto porque não compensa qualquer ação judicial para estes valores, considerando-se as custas e despesas de protesto, processuais, taxas judiciárias, distribuição, FUNREJUS, etc. Além destas custas, teríamos que arcar com os honorários advocatícios e o enorme tempo que ainda restaria até se conseguir uma sentença favorável. Com sorte, em no mínimo três anos poderia haver algum resultado positivo em ações deste tipo.

Garantias – pedir ou não pedir, eis a questão

Um assunto complicado que apareceu na pesquisa foi o assunto ””””garantias””””. A maioria das empresas no Brasil hoje (54,26%) não pede ou exige nenhuma forma de garantia na hora da venda. Das que pedem (um pouco mais de 45%), existe uma diferenciação, dependendo do tamanho da venda, se o cliente é novo, se já deixou de pagar antes, etc. Assim, só 1/3 das que pedem garantia pedem sempre, independentemente do cliente. As garantias mais comuns são, em ordem: • Cheque pré-datado
• Avalistas
• Fiadores
• Notas promissórias

  As razões mais freqüentes para não pedir garantias são:
1 O cliente pode sentir-se ofendido (então peça com jeito ou ofereça condições especiais!)
2 Dificulta o processo da venda (mas facilita o recebimento!)
3 O cliente não gosta de comprometimento (este é o tipo de cliente que você quer na sua carteira?)
4 Faz com que a venda demore, e o cliente quer ser atendido no momento (facilite o máximo possível o preenchimento dos documentos!)
5 Pode levar o cliente para a concorrência (às vezes, é a melhor coisa que pode acontecer…)

Devo, não nego…

Mas vamos dizer que você tenha feito tudo certo, e mesmo assim tenha um certo nível de inadimplência (que, diga-se de passagem, é norrnal para qualquer atividade – só 4% dos nossos entrevistados disseram ter inadimplência zero). O que se faz hoje no Brasil para tentar recuperar esse dinheiro?

• Acordo/negociação (29%)
• Cobrança por telefone (28%)
• Protesto (22%)
• Cobrança por carta (14,36%)
• Cobrança judicial (12%)
• Enviar o nome para o SPC/SERASA/SCI (11%)
• Cobrança pessoal (11%)

2/3 das empresas entrevistadas já tem um nível previsto de tolerância para a inadimplência, em geral de 30 dias (que eu pessoalmente considero muito longo). Chama a atenção, porém, que 33% das empresas não têm uma previsão de inadimplência – loucura, amadorismo ou simples incompetência? Na pesquisa, ficou bem claro que muitas empresas preferem o método Mike Tyson em relação ao assunto (veja box Adriano Blatt): cerca de 43% das respostas teve a ver com alguma forma drástica em relação ao cliente – protestos, cobranças judiciais, SPC/SERASA/SCI, cartório, corte de crédito, suspensão de atendimento, pedidos de falência, pegar mercadorias de volta, execução, etc.

A ordem dos tratores altera o viaduto

Segundo Adriano Blatt, especialista em Crédito e Cobrança, a ordem de medidas de cobrança deve iniciar com o protesto, pois isso garante legalmente que o credor tenha garantias futuras de seus direitos, além de fazer com que o devedor entenda a gravidade de sua falta desde o início. Em segundo lugar vem a cobrança por carta e, em seguida, a realizada via telefone. Depois disso, de acordo com a dívida, deve-se adotar um programa de visitas pessoais. Só então viria a terceirização (com empresas especializadas em cobrança) e, por fim, também de acordo com o valor da causa, o ajuizamento (ou aceitação do prejuízo).

Isso deve ocorrer porque muitas empresas já foram alvo de pessoas desonestas (caloteiros) no passado e, como cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça, a partir desse momento saíram distribuindo porrada e xingando qualquer um que não pague. Existe, porém, um elevado nível de tolerância – clientes que ligam, avisando que não podem pagar, ou que precisam renegociar, parecem ser sempre muito bem tratados. Como disse o William Ury, em entrevista na revista Técnicas de Venda de Setembro, até por nossas próprias características histórico-sociais, como brasileiros tendemos muito mais para a negociação amigável do que para o impasse agressivo.

Qual o melhor método de cobrança?

Tirando o alto custo que pode vir a ter (e que pode baixar muito, dependendo da sua negociação com o gerente), a cobrança bancária foi disparada a mais votada como melhor método de cobrança. As razões citadas pelos profissionais de vendas para isso foram: • Facilidade
• Rapidez
• Segurança
• Eficácia
• Mais respeito pelo cliente

Em segundo ficou a ligação telefônica, principalmente porque não constrange o cliente e faz com que ele sinta que estamos abertos à negociação.

Quem cobra?

Quase a metade das empresas brasileiras hoje já têm montado um departamento interno de cobranças, responsável exclusivamente por essa parte da atividade financeira. Em 32% temos o departamento administrativo/financeiro fazendo a cobrança, 30% usa os próprios vendedores e 15% terceiriza a cobrança com empresas especializadas (a soma dá mais de 100% porque algumas empresas utilizam mais de um sistema, o que implica respostas múltiplas na questão). Dependendo do caso, temos uma minoria de 4% que utiliza os mais diversos tipos de profissionais para a cobrança (os resultados devem variar muito também – veja você mesmo):

· Proprietário
· Qualquer um disponível
· Gerentes
· Secretária
· Caixa
· Diretor da empresa
· Office boy
· Recepcionista
Vínculos da comissão de vendedores e inadimplência

Um pouco mais da metade das empresas (54,26%) vincula a inadimplência com a comissão dos vendedores mas, de maneira contraditória, 59% são contra a cobrança efetuada por vendedores. O vínculo comissão e inadimplência é feito das seguintes formas:

• Só recebe comissão depois do pagamento ser efetivado
• A comissão é paga na hora do fechamento, mas se o cliente não pagar a comissão é estornada
• As comissões são pagas proporcionalmente ao número de bons pagadores
• Descontando-se diretamente da comissão/salário do vendedor

Nem todo mundo concorda sobre a validade disso: só 10% das empresas que vinculam comissão com inadimplência disseram que isso provoca maior preocupação por parte do vendedor. Só para efeitos de comparação, 9% disseram que não faz diferença alguma, e mais 9% disseram que provoca desmotivação e insatisfação por parte do vendedor. Ou seja, embora seja necessário, tenha muito cuidado se for vincular pagamento de comissões com níveis de inadimplência, principalmente quando o vendedor não tem autonomia para decidir ou reprovar a aprovação de um cadastro.

Então aqui temos um outro problema sério: nem sempre é o vendedor que decide se uma venda pode ser aprovada ou não. Na pergunta “Até que ponto o vendedor decide sobre uma venda/cadastro de um cliente?”, tivemos os seguintes resultados, entre outros:

19%
Não decide
14%
Decide totalmente
9%
Decide desde que siga os procedimentos da empresa
7%
Tem que avaliar junto com a empresa
5%
Vende a qualquer um, mas a decisão é do Departamento de Crédito


Em 74% das vendas há a interferência de um superior, principalmente na aprovação de crédito, no caso de dúvidas, em vendas volumosas, quando existe risco ou em caso de propostas esdrúxulas (negociando fora das regras).

Amizade ajuda ou atrapalha?

Ajuda. Quase 75% dos entrevistados disseram que um relacionamento mais estreito com compradores ajuda porque facilita a negociação, aumenta a confiança e amizade, faz com que o devedor possa lhe dar preferência na hora de pagar uma dívida e faz com que o profissional de vendas conheça melhor as necessidades de clientes (fazendo inclusive com que ele não venda algo que o cliente se arrependa de ter comprado depois).

Para os 17% que acham que atrapalha, as causas citadas foram que ””””as coisas acabam se misturando””””. Alguns clientes tendem a abusar do relacionamento e a amizade pode vir a causar constrangimento na hora da cobrança. São todas razões válidas, mas como a relação custo/benefício pende basicamente para um lado (ou seja, vender e receber), o melhor parece ser tentar estreitar o máximo possível os relacionamentos, mas de forma profissional, sem ””””misturar as coisas”””” com o lado pessoal (provavelmente algo mais fácil de falar do que fazer – mas vale a pena tentar).

Zig Ziglar definiu isso muito bem, quando disse: “Você trabalha com pessoas do mesmo jeito que garimpa ouro. Você tem mover toneladas de sujeira até juntar um quilo de ouro. Mas você não olha para a sujeira – você olha para o ouro!

  Conclusão gerais da Pesquisa
1
O nível de inadimplência no mercado em que atua é considerado baixo para quase metade dos gerentes.
2
Existe um número já esperado para esta inadimplência, um número mágico que independe de tamanho ou tipo de mercado – 5%.
3
O ””””segredo”””” de receber parece residir na escolha do cliente – quem eu ””””quero”””” ou ””””deixo”””” ser meu cliente.
4
Porém, esta regra que tem o objetivo de driblar a inadimplência é, de certa forma, oposta à outra famosa: “sua majestade, o cliente”.
5
Como à empresa não tem muito o que fazer quanto à inadimplência, ela cria mecanismos de seleção. Só que quanto mais abrangente, precisa e rigorosa for esta seleção, menos será o mercado desta empresa.
6
As regras para a seleção dos clientes são variáveis e flexíveis, de acordo com o cliente em questão.
7
Quando ocorre a inadimplência, é acionado um esquema interno de resgate do histórico e análise dos antecedentes do cliente (daí a importância do cadastro completo e atualizado).
8
Um dos primeiros itens a ser analisado em caso de inadimplência é, obviamente, o histórico de compras passadas e potencial de compras futuras.
9
A abordagem do inadimplente é drástica em 43% dos casos (ver box Adriano Blatt).
10
Todo este cuidado na seleção do cliente e na abordagem após a inadimplência tem relação direta com os laços invisíveis do relacionamento comercial e com a confiança intrínseca existente no ato de troca, os quais são altamente frágeis e volúveis, pois existe a concorrência, sempre pronta a fisgar um cliente magoado – “decisões incorretas levam o cliente para a concorrência”.
11
Outro ponto frágil das relações comerciais é a comissão do vendedor em caso de inadimplência. Por um lado, manter a motivação, a pressão diária para vender, bater cota, clientes com cadastros quesionáveis, clientes que deixaram de pagar, etc. Por outro lado, a responsabilidade do vendedor em executar a boa venda, sem responsabilizar-se por questões como fluxo de caixa, estoque, etc. Se para alguns gerentes o ato do vendedor ser o cobrador gera maior responsabilidade, para outros a situação gera desmotivação e insatisfação
12
73,94% dos gerentes apontam que o relacionamento mais estreito com o comprador pode ajudar.
13
Contratos – ainda há muito o que melhorar, começando pelo básico. Quando os profissionais de vendas falam sobre os contratos de venda, mencionam a necessidade de elementos básicos como clareza, objetividade, multas, prazos, dados das partes envolvidas, valor, descrição da mercadoria/serviço, direitos e deveres – o que leva a crer que estes contratos nem sempre são feitos por pessoas competentes.

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