Informatizar a equipe de vendas: Questão de Sobrevivência

Num mundo onde, cada vez mais, ouve-se falar em Internet e globalização, pensar na figura clássica do vendedor que visita os clientes com a pasta e o talão de pedidos a tiracolo é quase como se imaginar no velho oeste. Na era da informática, implantar sistemas de automação na equipe de vendas tornou-se obrigatório para quem não quer se engolido pelo tempo e pela concorrência.

Antecipar-se às mudanças nesse mercado é fundamental para ganhar. Em todos os sentidos. Quem explica como um trabalho planejado pode render excelentes frutos são Júlio Domingues e Samir Jorge, ambos funcionários da multinacional 3M. Eles foram os responsáveis pelo desenvolvimento e implementação do processo de informatização na empresa, que começou há cinco anos.

Quantos funcionários fazem parte da equipe de vendas da 3M e com quais produtos eles trabalham?

Samir: A empresa tem entre 280 a 300 vendedores. Acrescentando gerentes e supervisores, há cerca de 320 pessoas na equipe. A 3M trabalha com aproximadamente 25 mil itens, divididos em 21 unidades. Eu, por exemplo, hoje faço parte de uma, o Júlio, de outra. A companhia participa de mercados totalmente diversificados. Tem atuação desde no mercado de saúde (bombas de infusão, estetoscópios, eletrodos, campos cirúrgicos), comunicação gráfica com toda a parte de comunicação visual, luminosos, backlights, frontlighs e identificação de frota, até na área de processos industriais com produção de fitas adesivas e bens de consumo (como Scotch Brite, Scotch Gard e Post-It, por exemplo).

Falem um pouco sobre o papel de vocês na empresa.

Samir: Trabalho na 3M há pouco mais de três anos. Atualmente, faço parte do departamento de vendas de comunicação gráfica. Mas até o final do ano passado, estava na área de Marketing Corporativo, onde trabalhei em projetos importantes como o de tecnologia para a área de negócios, informatização para equipe de vendas e presença da 3M na Internet.

Júlio: Sou especialista de marketing no mercado de segurança e identificação. Durante cinco anos, em parceria com o Samir, fui responsável por todos os programas de marketing e vendas relacionados à tecnologia de informação. Basicamente, automação de vendas e business.

Por que 3M resolveu informatizar a área de vendas?

Júlio: Todas as atividades ligadas a marketing e vendas estão muito relacionadas com problemas operacionais diários. Especificamente na área de vendas, há cinco anos, a 3M resolveu que deveria redefinir o perfil das etapas. E isso passava por uma análise de todos os processos da corporação: comportamentais, de tecnologia e de negócios. Então, formou-se um grupo que funcionou como um guarda-chuva de Marketing Corporativo. Seu papel foi mapear todos os processos, identificar pontos de gargalo e criar alternativas para resolvê-los. Em relação à questão operacional de vendas, encontramos uma série de descontinuidades no processo, retrabalhos. A 3M tinha um esquema manual de composição, digitação e envio de pedidos. Eles eram preenchidos, enviados por fax para a matriz e digitados num centro que chamávamos de SAC – Serviço de Atendimento ao Cliente – que na verdade acabava prestando mais atendimento aos vendedores. Esse suporte digitava os pedidos e fornecia informações transacionais aos funcionários de vendas.

Justamente por todos terem uma porção de atribuições manuais havia muita erros de digitação e de preenchimento de pedido. E na outra ponta, sobrecarga do sistema telefônico. Os vendedores ficavam diariamente pendurados no telefone para consultar informações. Conseqüentemente, as linhas ficavam ocupadas e o tempo disponível que pretensamente deveria ser utilizado para atendimento ao cliente era perdido atendendo os vendedores. Eles, por sua vez, também perdiam tempo tentando ligar, e tinham todo aquele estresse. Sem contar que os custos com telefone, no final do mês, eram absurdos.

Além disso, também levamos em conta o aspecto comportamental. Historicamente, nossos vendedores foram criados numa cultura que privilegiava volume, não o gerenciamento do negócio. Todos os finais de mês, saíam indiscriminadamente abrindo contas, clientes. Isso gerava um aumento indiscriminado da carteira de clientes. Sendo que muitos eram pouco representativos. Esses eram os principais problemas operacionais que precisavam ser solucionados.
Como foram resolvidos?

Júlio: Nosso departamento optou pela informatização da área de vendas. É importante dizer que esse projeto começou em 95. Portanto, ainda existiam poucas ferramentas para automação em vendas. E as que estavam disponíveis, eram desenvolvidas por software houses do Brasil. Fomos ao mercado e escolhemos uma ferramenta com funções básicas, que foram adaptadas à empresa. O trabalho seguinte foi gerenciar e implementar o projeto. Isso foi feito ao longo desses anos todos e terminou somente em meados de 99, quando toda a equipe concluiu os treinamentos.

E como funciona o processo de vendas automatizadas na companhia?

Júlio: Cada vendedor recebeu um notebook. Munidos desse equipamento, digitam os pedidos ainda no cliente e mandam para o servidor na 3M. Para isso, não usam a Internet, mas o próprio software que implantamos, o SPI (Sales Process Improvement). O servidor recebe e processa os pedidos.

Samir: E também faz o caminho contrário. Todas as informações processadas são replicadas para os vendedores. Assim, eles sempre têm sua carteira de clientes atualizada no que se refere a últimos pedidos, status desse pedido, se ele foi enviado ou está retido por algum motivo, histórico de vendas ou de compras, quanto cada cliente comprou de cada item. Fora isso, eles têm um e-mail, como cada funcionário da empresa, através do qual também podem estabelecer outros tipos de comunicação.

Como é a atual rotina dos vendedores?

Samir: Eles traçam todos seus objetivos através do computador. Fazem uma conexão pela manhã, recebem as informações transacionais na máquina: carteira de pedidos, histórico de compras do cliente, posições. A partir daí, têm condição de fazer o agendamento diário das visitas. Depois de cada contato com o cliente, colocam os resultados no notebook. À noite, ou no decorrer do expediente, descarregam os dados do dia no equipamento. E, no dia seguinte, puxam os dados que são atualizados pela companhia e enviados à noite, para cada um dos vendedores por meio de caixas postais.

Quem teve mais dificuldade de se adaptar à automação?

Júlio: Toda mudança é desconfortável. E isso é inerente ao próprio ser humano. Se mudar nossas pequenas manias já é difícil, imagine transpor esse conceito para uma realidade corporativa. Nesse sentido, pode-se dizer que os funcionários que já tinham décadas de companhia sentiram mais. Muitos ficaram um pouco inseguros, até porque não dominavam a máquina. Ainda hoje existe quem prefira a “segurança do papel”. Parece que com ele, sentem que realmente o pedido está sendo encaminhado. Na verdade, a dificuldade que às vezes tinham para passar um fax para o antigo SAC era bem maior. Mas eles estavam acostumados ouvir dos atendentes que o pedido tal tinha sido encaminhado.

Samir: É claro que eles se sentem muito mais confortáveis abrindo o laptop, fazendo a conexão, atualizando os dados. Mas ainda estão se habituando a acreditar que naquela linha x que lêem na tela, realmente o pedido foi despachado. Estão mudando a cultura de que não precisam esperar uma semana para checar se pedido foi enviado ou não. Podem olhar antes para tomar ações antecipadas de correção, se tiver acontecido algum problema. É importante dizer que ainda é um processo de mudança, pois não faz nem um ano que os funcionários estão utilizando o computador.
O que mudou, afinal, depois da informatização?

Samir: Hoje os vendedores têm acompanhamento diário das informações e percebo diferenças no próprio jeito de eles tratarem os negócios. Antes toda equipe da 3M trabalhava por objetivo, premiação, cotas. Tinham sua posição de vendas uma vez por mês e ficavam meio perdidos, sem saber se tinham de ser mais agressivos ou não no decorrer daquele período. Agora, com o notebook, têm essa posição diariamente. Sabem que se estão faltando dez dias para fechar o mês, precisam concentrar esforços naqueles clientes que estão para comprar, para conseguir fechar suas cotas. A automação garante uma noção muito maior do que acontece com o trabalho deles dentro da 3M. Em tempo real. Antigamente, uma simples alteração de endereço de um cliente era recebida um mês depois. Hoje sabem que se não a receberem um dia depois, terão problema no pedido. Vale lembrar que o processo ainda está em plena fase de aplicação.

Júlio: Faço um adendo. Acho que é um processo que não tem fim. Além de todos os aspectos que o Samir mencionou, podemos dizer que houve melhoria no tempo gasto para composição, processamento, faturamento, locação e despachos. Redução de erros e eliminação de retrabalhos.

Samir: E isso trouxe para a empresa a mudança do antigo SAC para o CRC, Centro de Relacionamento com o Cliente. Agora os profissionais de lá têm mais tempo para dedicar ao cliente em si.

Em termos de aumento de vendas, houve alguma alteração?

Júlio: Essas mudanças não são sentidas de forma brusca. Na verdade, o trabalho de treinamento de toda a equipe terminou apenas em julho do ano passado, ou seja, a implantação do processo ainda é recente. Mas acredito que o aumento das venda não se dá através do vendedor, mas no incremento do processo em si. A economia é total. A companhia ganha com a redução de custos de redigitação de pedidos, com diminuição de custos telefônicos. E pretende ter aumento incremental através da melhoria do relacionamento com os clientes. À medida em que a empresa se faz mais disponível para os seus clientes, cria muito mais possibilidades de novos negócios. Os custos de faturamento quando se trabalha de forma desordenada são muito altos, e podem gerar inclusive a inviabilização do seu negócio. Paralelamente, a 3M está desenvolvendo mudanças de alguns conceitos. Antigamente os vendedores trabalhavam por volume, saíam abrindo contas. Um cliente comprava R$ 500,00 e ficava cadastrado no sistema da companhia gerando custo de back-up, emissão de nota, faturamento de alocação, despacho, toda logística da transação. Muitas vezes isso não era coberto pelo valor do pedido. A companhia espera que com projetos parelelos e com a implementação da automação, os ganhos sejam pontuais. Não necessariamente ganhos no valor nominal do pedido.

Que outros departamentos foram envolvidos no processo?

Júlio: O responsável pelo pela implementação e gerenciamento do projeto foi departamento de Marketing Corporativo, através de mim e do Samir, mas tínhamos no grupo a equipe de informática, analistas de sistemas especializados em sistemas para marketing e vendas e o suporte do departamento de administração de vendas, que é quem administra o dia-a-dia do vendedor, fornecendo celular e carro, por exemplo. Tivemos posteriormente o suporte do departamento de treinamento de vendas.

Samir: Depois, endereçamos responsáveis para administrar este esquema no dia-a-dia. Tivemos ainda ajuda do CRC. Em função do suporte que eles davam, acabaram nos ajudando a acostumar o vendedor com a novidade, tirando dele o antigo hábito do contato via telefone.
Que conselhos dariam a quem quer informatizar?

Júlio: Vejo três fatores críticos nisso. Primeiro, tem que ter obrigatoriamente comprometimento de alta gerência. Os níveis decisórios e os gestores da corporação devem estar muito comprometidos, porque geralmente são o espelho. Se você lidera uma equipe e mostra perante ela um comportamento reativo à mudança, seus liderados vão se espelhar nesse modelo e segui-lo. Porém, se reconhece valor nesse processo, o mesmo vai ocorrer com sua equipe.

O segundo ponto tem a ver com a necessidade de contar com perfis adequados para mudar perfis. É preciso ter um grupo de projeto que possa entender seu interlocutor, saiba observar e, acima de tudo, aceitar que um processo de mudança é lento e indolor. Há profissionais de vendas que lamentavalmente não sabem utilizar um celular. Mas não significa que eles não sejam adaptáveis dentro desse novo cenário. Só que é necessário que se tenha pessoas que saibam transmitir os novos conceitos de forma adequada.

Por último, a companhia tem que estar disposta a encarar o custo da obsolescência da tecnologia. Quando se investe em notebooks para 300 vendedores, deve se ter consciência de que em seis meses eles estão ultrapassados. Se amanhã ou depois a companhia quiser outro software, provavelmente terá que trocar toda base de equipamento.

Não quero dar tom apocalíptico à questão, mas estamos plenamente convencidos de que tecnologia deixou de ser um meio para se atingir objetivos de negócios. Passou a ser um direcionador. Não se trata de uma opção, mas de uma questão de continuar competindo no mercado. Hoje é possível firmar concorrência a grandes corporações com muito pouco, apenas usando tecnologia. Quem não estiver à frente dessa “arma”, está numa zona de perigo.

Para finalizar, quanto foi empregado nessa mudança toda?

Júlio: Não gostaria de mencionar valores, mas posso afirmar que foi um investimento alto. Foram custos de aquisição do software, dos equipamentos, da adaptação. Só digo que empregar ou não uma grande soma de capital nisso não é mais questão de escolha, mas de sobrevivência.

:: Matéria extraída da revista Técnicas de Venda de Maio/2000 ::

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