Liderança Caórdica

Dee Hock é o fundador e CEO Emeritus da Visa International. Em seu mais recente livro, Birth of the Chaordic Age (ainda sem tradução no Brasil), Hock argumenta que o sucesso da Visa (22 mil bancos como membros, 750 milhões de clientes e 1,25 trilhões em transações anuais) advém de sua estrutura “caórdica”. Caórdico é uma combinação de duas palavras: caos e ordem. Hock criou o termo para descrever qualquer organização, sistema ou empresa que seja “auto-organizado, autogovernado, adaptável, não-linear, complexo e que combine harmoniosamente tanto as características do caos quanto as da ordem”.

Em seu núcleo, a Visa é caórdica. Enquanto outras empresas de cartão de crédito são propriedade de uma empresa ou alguns bancos, a Visa é controlada pelos milhares de bancos que também são seus clientes. Todos esses bancos cooperam simultaneamente (honrando cartões emitidos por outros bancos e mantendo o sistema Visa de câmbio) e também competem entre si (oferecendo taxas e anuidades diferentes, por exemplo). O segredo do sucesso da Visa é essa mistura de ordem e caos.

Dee Hock foi entrevistado por Chad Hall e Nelson Searcy, da Smart Leadership, e é com orgulho que reproduzimos a entrevista com exclusividade no Brasil para os leitores de VendaMais. Nela, o autor fala sobre as mudanças que ocorreram nesta época caórdica, as características necessárias para líderes de organizações caórdicas e como a visão caórdica diferencia-se dos outros conceitos de organização e sucesso.

VM: Dee, o título do seu livro implica que a época do caórdico está recém-começando. Por que isso? Que mudanças na sociedade provocaram esse nascimento?

Dee: No nível mais básico, é um colapso de float (flutuação). Falo bastante sobre isso em meu livro. Float é o tempo que ocorre entre mudanças, ou o tempo necessário para que uma nova mudança ocorra. Esse float diminui porque cada nova mudança permite que novas mudanças ocorram mais rapidamente.

Se você pensar sobre a vida e como ela evolui, cada nova forma de vida mais complicada emerge em metade do tempo do que a predecessora. Agora, com o advento da engenharia genética, isso será ainda mais acelerado. E se falarmos de float financeiro, antigamente um cheque levava dias para ser descontado, hoje essa transação pode ser feita globalmente em fração de segundos. Se olharmos o float cultural, demorava séculos para que uma idéia surgida numa determinada cultura afetasse outra cultura. Hoje, isso ocorre em semanas. Se analisarmos o float tecnológico, levávamos séculos para aceitar a roda universalmente, mas hoje em dia qualquer novidade tecnológica é espalhada mundo afora quase que instantaneamente. Então o colapso do tempo entre o passado e o futuro está acelerando. Isso faz com que o float diminua exponencialmente. Concluo que teremos de enfrentar complexidades e diversidades inimagináveis, e isso requer maneiras diferentes e extraordinárias de olhar para as organizações, gerência e estruturas sociais.

Você também pode pensar no assunto como um movimento da Idade Industrial para a Idade da Informação, ou do Conhecimento. A Idade Industrial era na verdade a época do trabalho das máquinas, uma extensão do trabalho manual ou braçal. Ao nos movermos para a Idade da Informação, a informação passa a ser a matéria-prima, o que significa que estamos entrando na era do trabalho intelectual. Você também pode amarrar isso com a transformação inacreditável que está ocorrendo, com bens e ativos materiais sendo muito menos valorizados do que ativos e propriedades intelectuais.

Agora, os novos nomes que podemos dar para essa época é um outro assunto. Resolvi chamá-la de caórdica porque ela é realmente complexa e caótica, mas ao mesmo tempo apresenta enormes áreas de coerência e ordem. Isso não significa que as teorias e os conceitos atuais sejam ruins, apenas que passaram a ser irrelevantes. As teorias atuais de administração nos trouxeram até aqui, armando-nos com a inteligência e o conhecimento necessários para darmos o próximo passo. Então, o que vejo não é a destruição do que sempre existiu, mas uma evolução transcendental. Uma evolução, não uma revolução.

VM: Vamos falar um pouco sobre os líderes de organizações caórdicas. Que características eles deverão ter?

Dee: Espero que sejam muito melhores do que são hoje. Uma das características é que será impossível organizar uma estrutura hierárquica capaz de forçar ou obrigar comportamentos. Então terão de induzir que as coisas aconteçam, e não dar ordens. A liderança passará a ser distribuída enormemente. O conceito de que somente as pessoas no topo são os líderes estará completamente ultrapassado, e todos terão de liderar e seguir ao mesmo tempo. E isso significa que temos de criar um novo conceito do que significa a liderança. Hoje, ensinamos liderança usando técnicas para planejar e estimular comportamentos ? regras, regulamentos, procedimentos, processos. Isso com certeza mudará.

Uma ilustração perfeita disso são os militares. Com toda a tecnologia que existe hoje, um tanque moderno não é nada mais do que uma carcaça reforçada recheada de computadores. Uma grande batalha entre 25 tanques terminará em 11 minutos, e os perdedores estarão mortos. Note que, em 11 minutos, não dá para ligar para seu comandante e perguntar o que fazer, ou abrir o manual para ler a página 28. Então os militares têm de criar uma maneira em que cada encarregado por um tanque, e literalmente cada soldado, seja um líder capaz de agir inteligentemente. E depois você tem de integrar todas essas pessoas, de forma que haja coesão e coerência entre as diversas unidades. Com certeza, numa situação dessas, a velha estrutura hierárquica, completamente rígida, é totalmente ineficiente.

Em meu livro, falo bastante sobre a necessidade de ensinar às pessoas a se autoliderarem, e também a liderarem seus superiores ? porque é o pessoal da ponta que vai saber exatamente o que está acontecendo no campo. Você também tem de estar completamente coordenado com seus colegas, liderando o grupo e sendo liderado por ele. Isso é o que chamo de administrar para dentro, administrar para cima, administrar em volta, e só depois de tudo isso administrar para baixo. Mas aí a palavra administração perde o sentido, porque você não pode comandar seus superiores ou colegas ? você só pode liderá-los. Veremos o surgimento de um sistema distribuído de liderança, em que cada indivíduo dentro da organização está simultaneamente liderando e seguindo, dependendo do assunto, da situação e do momento. VM: Nesse tipo de organização, ajude-nos a ver a distinção entre os diferentes tipos de participantes. O que separará, de maneira geral, os líderes dos seguidores?

Dee: Existirão distinções entre suas funções e os papéis que desempenham. Não vamos acabar completamente com a hierarquia, mas o líder principal será aquele que melhor exemplificar os valores da organização. Será cada vez mais importante um propósito bem claro e alguns princípios de conduta ? uma espécie de código genético institucional ?, em que cada membro da organização deverá entender de maneira simples, mas com profunda convicção. Isso significa que essas pessoas terão de estar envolvidas em determinar tudo isso. Porque crenças impostas externamente raramente são aceitas. Na verdade, será esse grande senso de direção que permitirá que as pessoas ajam com liberdade e autonomia. Farão isso porque trabalharão numa estrutura em que todos ao seu lado estarão fazendo o mesmo e dirigindo-se na mesma direção. Não é que todo mundo faça a mesma coisa ? as coisas podem ser feitas de forma diferente, desde que com coerência e coesão. É claro que isso requer uma grande transformação cultural.

VM: Quais são alguns passos que um líder pode dar para ajudá-lo a implantar essas transformações nas empresas em que trabalham?

Dee: Primeiro, o líder tem de desenvolver a compreensão do que realmente está acontecendo, num sentido muito profundo. Segundo, monte ou comece a fazer parte de um grupo de pessoas que estejam pensando e comportando-se dessa maneira. E talvez essas pessoas não façam parte da sua organização. Terceiro, tente entender qual é seu modelo interior de realidade e em que grau ele está baseado na velha metáfora da Idade Industrial. Isto é, por que sua empresa está organizada dessa forma, como chegou até aqui, e por que todos esses conflitos estão ocorrendo. Não é algo que possa ser feito por duas semanas e depois parar; trata-se de um processo contínuo de aprendizagem.

Depois, compreenda que você é livre para fazer isso agora mesmo. Você não precisa de permissão para liderar a si mesmo, liderar seus superiores e liderar seus colegas. Você é livre para fazer isso, imediatamente.

É importante ter algumas pessoas inteligentes analisando essas transformações. Desde que tenham liberdade, recursos e proteção dentro da velha estrutura, para não serem eliminadas. Qualquer empresa que não tenha um grupo interno rebelde e guerrilheiro, com objetivos de melhorá-la, é muito pouco sábia. É um grande desperdício.

Porém, vou avisá-lo: seria muito imprudente uma empresa que funciona no sistema hierárquico antigo fazer a transformação radical para o caórdico. Podem existir algumas que resistiriam ao impacto, mas não são muitas.

Então, o segredo é investir em aprendizagem, experiência, conhecimento e depois ver como tudo isso se aplica à sua própria realidade, e como você quer se posicionar para o futuro.

Mais um alerta: as pessoas tendem a acreditar que isso significa que sou contra o comando e o controle. Não é nada disso. Eu acabei de me operar, e a última coisa que gostaria é de ser operado de forma caórdica. Isso tem seu lugar dentro da estrutura, mas não é a melhor forma de gerenciar certas situações.

VM: Então, um dos principais objetivos de um líder é entender quando o caos é necessário, quando a ordem é necessária, e como combinar as duas coisas?

Dee: Exatamente. O líder terá de exemplificar isso de todas as maneiras concebíveis. Os principais líderes terão de descobrir o caos dos talentos, valores e paixão que os funcionários possuem, e depois organizar isso para o sucesso deles mesmos e da empresa. Líderes também têm de mostrar o caminho quando o assunto é estar em harmonia com os outros, de forma que seus esforços, energia e idéias sejam coordenados, visando o sucesso. E esse tipo de liderança tem de se espalhar pela organização inteira. Mas, para que isso ocorra em todos os níveis, o principal líder tem de permitir.

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