Mau humor é fundamental

Incomoda-me muito a cobrança pela alegria e pela expansividade existente nos costumes brasileiros. Incomoda-me muito a cobrança pela alegria e pela expansividade existente nos costumes brasileiros. Se não bastasse a nossa cultura, há uma onda de bom humor imposta pela mídia, livros de auto-ajuda e oportunistas de todas as espécies. Não me rendo. Não faço a menor questão de aparentar contentamento. Não sou efusivo. Quase nunca estou sorridente. Cultivo uma boa carga de mau humor.

Não vejo graça em gente muito bem-humorada. Pessoas nesse estado acham tudo muito bom. Pode ser confortante, agradável e estimulante para quem toma contato com o alegrão. Mas não é engraçado. Prefiro o humor produzido pelos mal-humorados. Humor é crítica. Tem como objetivo principal fazer pensar. E, para isso, nada melhor do que a acidez e o sarcasmo dos grandes neurastênicos. O foco na risada pertence à comicidade. Eu já passei da idade de gostar dos programas do Renato Aragão. E nunca fui fã de palhaço de circo.

Ser mal-humorado não significa ser briguento. Nem anti-social. Muito menos segregacionista. Quando eu digo que considero livro de auto-ajuda insuportável, não quero que eles sejam retirados do mercado. Tampouco vou deixar de me relacionar com quem os aprecia. Apenas manifesto a minha opinião: não gosto, acho babaquice. Muita gente confunde franqueza ? mal-humorados costumam ser francos ? com discriminação e radicalismo. Para mim, radical e maniqueísta é quem faz esse tipo de confusão. Justamente porque encara as situações na base do “contra” e “a favor”.

Nós, os neurastênicos, cumprimos um papel fundamental. Enquanto os esfuziantes estão maravilhados com tudo e com todos, a gente trata de não permitir uma fuga da realidade. Criticamos. Apontamos as mazelas e incoerências. Queremos que os outros enxerguem os demais lados das questões. Muitas vezes exageramos. Podemos ser desagradáveis. Mas somos necessários.

Penso que o excesso de bom humor é um dos motivos do atraso brasileiro. Nossa tendência de privilegiar o pitoresco e a galhofa nos desvia do enfrentamento dos problemas. Levamos na brincadeira a corrupção. Damos risada quando Paulo Maluf se candidata. Sorrimos para um colega que admite subornar funcionários públicos para obter um documento. E vamos todos festejar porque “é assim mesmo”.

Pelo meu temperamento, e também por não tolerar sol e calor, defendo a tese de que nasci no norte da Noruega e fui trocado por um bebê brasileiro. Uma experiência internacional para pesquisar a influência do meio ambiente no comportamento humano. Brasileiro, filho de nordestinos, com as minhas características, só pode ser isso. Tenho até olho azul. Talvez eu esteja sendo injusto com os noruegueses. Eu é que sou esquisitão. Pior: acho interessante e divertido ser de desse jeito.

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