Não ouça o cliente

Nesta coluna nos propomos a discutir alguns mitos que, de uma maneira ou outra, prejudicam o processo de vendas e relacionamento da empresa com o cliente. Pois bem, “Não ouça o Cliente” ainda não é um mito, é muito recente para tal, entretanto é um forte candidato a se tornar um e, sendo assim , é fundamental que nos antecipemos. Vamos cortar o mal pela raiz. Ultimamente , ouvimos muita gente falando: “O cliente não sabe o que quer, portanto, prever a necessidade do cliente é função da empresa”. Para que possamos esclarecer melhor , vamos analisar esta questão sobre dois aspectos relacionados. São eles: produtos e serviços.

a) Quanto ao produto: Recorrendo à lógica matemática, a frase “o cliente não sabe o que quer; prever a necessidade do cliente é função da empresa” é considerada uma proposição composta , ou seja, nela há duas proposições: a primeira, “o cliente não sabe o que quer”, e a segunda proposição, “prever a necessidade futura é obrigação da empresa”. Nesta segunda proposição, parece que há uma unanimidade, todos concordam que a empresa tem que estar sempre atenta , no exercício constante de antecipar-se a necessidade futura do cliente, portanto esta proposição é V (verdade); por outro lado, a primeira proposição, ou seja, “o cliente não sabe o que quer”, na maioria das vezes não é verdadeira, sendo assim, ela é falsa (F).

Pode até ser que, em um ou outro caso, numa situação particular (como, por exemplo, um aluno do primário, na condição de cliente de uma escola), não saiba o que deseja. Se isto é verdade, segundo a lógica matemática, basta uma exceção para que a sentença seja considerada falsa, e não faltam contra-exemplos para derrubar a sentença “o cliente não sabe o que quer”. Na verdade, na maioria das vezes, ele sabe sim, pode até não saber expressar suas necessidades e/ou seu desejo, mais aí “são outros 500”. Logo, do ponto de vista da lógica, se a primeira proposição é (F), ainda que a segunda proposição seja (V), a proposição composta “o cliente não sabe o que quer, portanto, prever a necessidade do cliente é função da empresa” é (F).

Por outro lado, da constatação do fato de que “o cliente não saber manifestar sua real necessidade e/ou desejo”, concluirmos que “ele não sabe o que quer”, estaremos cometendo uma falácia. Nesse ponto, corremos o risco de concluir algo como verdade, a partir de uma premissa equivocada, ou, na melhor das alternativas, a partir de uma hipótese que não se comprova em todas as situações.

Uma coisa é o cliente não saber expressar suas necessidades e/ou seu desejo; outra coisa, completamente diferente, é ele não saber o que quer. Aqui começa a confusão.

Portanto, não só no campo da lógica, mas também, em termos de bom senso, quando falamos que “Não ouça o cliente, pois ele não sabe o que quer”, estamos reproduzindo um equivoco perigoso.

“Não ouça o cliente” é um mito que está tentando consolidar-se através de uma interpretação superficial de casos isolados, ou de uma interpretação profundamente equivocada, como no famoso caso da invenção do walkman pelo Akio Morita (fundador da Sony), que, falando a respeito, disse que se perguntasse ao cliente ele jamais inventaria o famoso aparelhinho. Em uma primeira leitura, isto pode ser verdade, o cliente talvez jamais dissesse, através em de uma pesquisa de mercado, que queria um radinho de pilha ou um toca-fita que ficasse preso ao corpo, ligado diretamente a um headphone, enquanto ele andasse por aí, sem ser necessária a utilização das mãos. Akio Morita, nem a Sony perguntou ao cliente isso, diretamente, mas certamente “ouviram” o cliente reclamar da falta de comodidade de ficar com uma das mãos bloqueada toda vez que tivesse que ouvir um rádio; certamente “presenciaram” , em um estádio de futebol ou baseball, o incômodo de se ficar com uma das mãos segurando um rádio; a outra, a bandeira do seu time, e o copo de cerveja? Que chato! Para inventar o walkman, Morita “viu”, “sentiu”, “percebeu”, “analisou comportamentos”, tudo isto de quem? Do consumidor do produto final, é claro.

O diabo é que, muitas vezes, esquecemos que ouvir não é um conjunto de fazer perguntas e ouvir respostas diretamente de alguém. Ouvir é muito mais que isto, ouvir é principalmente “sentir” o que incomoda o cliente hoje e, a partir daí, criar um produto ou serviço que facilite a vida dele cada vez mais. Enfim, o cliente pode não saber a solução, mas ele sente, é capaz de reconhecer imediatamente tudo que possa facilitar a sua vida. Para ouvir o cliente, basta olhar para ele, monitorar seu comportamento. Não é preciso, necessariamente, perguntar nada a ele. Na verdade, fazendo isso, você está ouvindo-o. Quem disse que só se ouve com palavras?

“O inimigo do mercado não é a ideologia, é o engenheiro”.
Jonh Kenneth Galbraith

Em meu livro “O melhor sobre cliente”, faço o seguinte comentário a esta frase do John Galbraith:

Seria um exagero dizer que o engenheiro é inimigo do mercado, ou, melhor dizendo, do Cliente? Não! Na verdade, J.K. Galbraith, quando fala que o engenheiro é “inimigo” do mercado, utiliza uma linguagem figurada para denunciar o fato das empresas insistirem em fabricar e definir as características dos produtos, apenas do ponto de vista técnico (da engenharia), esquecendo-se das verdadeiras necessidades e anseios do Cliente. Olha, esta prática hoje é fatal!

(fonte: Almeida, Sergio. O melhor sobre Cliente; Salvador, Ed. Casa da Qualidade-1997)

b) Quanto ao serviço: É na qualidade do serviço e no atendimento prestado ao cliente que o “Não ouça o Cliente” torna-se mais absurdo ainda. Quem é que sabe onde o “calo está apertando”? Quem é que fala se o serviço está bom ou ruim? Melhor ou pior que a concorrência? Quem faz isto melhor do que o melhor especialista do mundo em serviços ? O cliente, é claro!

Querer saber mais que o cliente sobre sua própria percepção é uma arrogância sem precedente. É uma ato bestial, afinal o cliente é o único e o verdadeiro juiz do nível de serviço a ele prestado. Isto parece tão óbvio quanto a lei da gravidade.

Ainda não inventaram um método melhor que andar de olhos e ouvidos abertos para evitar cair no precipício

Existem dezenas de canais para se ouvir o cliente como, por exemplo: caixa-sugestões, 0800, ombudsman, conselho de clientes, formulários de avaliação, contato pós venda, etc. Escolha pelo menos um, e aplique-o em seu negócio. Uma simples pergunta antes ou durante a prestação do serviço pode livrar um garçom de uma enrascada. Mas não caia na besteira de não ouvir o cliente, deixe isso para os consultores ou professores, teóricos e/ou filósofos que adoram fazer experiências com as empresas (dos outros, é claro). Ou, talvez, quem sabe você seja um gestor esotérico, que tenha uma bola de cristal capaz de adivinhar gostos, desejos e necessidades customizadas, de cada um dos seus clientes. Senão, à moda antiga, ou com recursos modernos, pouca importa, o que você não pode deixar de fazer é ouvir o que os seus clientes têm a dizer, hoje e sempre!

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