O Brasil é o futuro do empreendedorismo?

Mestre em organizações ensina a construir empreendimentos de sucesso

60%. Essa é a porcentagem de empresas no Brasil que fecham suas portas antes mesmo de completarem quatro anos de existência. O levantamento foi feito pelo Sebrae, que revela ainda que milhares de empresas nascem e morrem diariamente – semelhante ao que acontece com os seres humanos. Para o mestre em organizações e desenvolvimento local, Jerônimo Mendes, os dados alarmantes destacam a importância demasiada dada apenas aos números e lucros das companhias. Após anos de dedicação ao estudo do empreendedorismo, Mendes revela que está faltando atenção às pessoas e destaca: “O primeiro passo para quem deseja empreender é ter identificação com o negócio”.

Para colocar o empreendedorismo em discussão, o mestre lançou recentemente a obra Manual do empreendedor. O livro é focado nos exemplos de empresários que viveram, na prática, os desafios e as vantagens de empreender no Brasil. Além das várias pesquisas que fez para confeccionar a obra, ele conta ainda com os mais de 30 anos de experiência em que atuou junto a grandes empresas do País, como: Klabin, Brahma, Texaco, Bamerindus, Volvo e CSN. Esse é seu quarto livro, tendo ainda duas coautorias de obras sobre logística e desenvolvimento sustentável.

Jerônimo Mendes é graduado em administração de empresas, pós-graduado em logística empresarial e mestre em organizações e desenvolvimento local pela UNIFAE-PR. Especialista em processo de consultoria pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA-SC), além de consultor organizacional e professor universitário de várias instituições de ensino. Em entrevista exclusiva à VendaMais, Mendes disse temer o aumento de empreendedores por necessidade com a crise e garante: “Para dar certo em um novo negócio, o empreendedor tem de ser ousado, persistente, focado e criativo”.

VendaMais – Como o empreendedorismo brasileiro é visto por você?

Jerônimo Mendes – Existem basicamente dois tipos de empreendedorismo: o da necessidade e o da iniciativa. Nós, brasileiros, somos muito mais por necessidade, embora as estatísticas não digam isso. Elas dizem que estamos mais ou menos meio a meio – 50% a 50%. Mas eu tenho uma convicção devido à pesquisa que fiz: num primeiro momento, as pessoas entram por necessidade, ou seja, desemprego, informalidade, etc. E, num segundo momento, elas ganham velocidade, pois veem que é possível ganhar dinheiro com aquilo. Então, começam a migrar e a pensar na iniciativa, em melhorar o negócio, focar, partir para o marketing e tudo mais. Entretanto, eu diria que hoje nós temos muito para caminhar em relação aos outros países. Por quê? Porque eles incentivam mais. A Itália, por exemplo, está muito avançada, Dinamarca, Suécia e os países nórdicos também. Os Estados Unidos estão 80 anos a nossa frente.

O que precisaria ser feito em termos de incentivo?

O Brasil é o futuro do empreendedorismo, mas não basta apenas o governo agir, dando incentivos ou amenizando a legislação. Segundo dados do site e-business.com, para abrir uma empresa aqui, você leva em média 150 dias. Já para fechá-la, 10 anos. Isso desestimula as pessoas, pois é muita burocracia – as taxas são elevadas e demora bastante tempo. Por isso, precisamos aliviar a carga tributária, facilitar a questão da documentação e também ter um pouco mais de linhas de crédito facilitadas. Na Índia, por exemplo, existem organizações que fornecem pequenos créditos – de mil ou 2 mil reais. Quem faz isso razoavelmente são as cooperativas, porém esse universo está limitado aos cooperados. Nós precisamos trazer isso para o empreendedorismo.

Você acredita que a crise dificultou a abertura de empresas ou a ânsia por trabalho acabou aumentando o número de empreendedores?

Do lado burocrático não facilitou, continua a mesma coisa. No entanto, na hora do sufoco e desespero, aumenta o índice de empreendedorismo por necessidade. Quando as companhias começam a demitir, o que você faz: pega seu FGTS, o pouquinho que possui, e abre uma lanchonete, uma banca, uma floricultura, etc. Isso eleva o índice por necessidade, mas não é o empreendedorismo nato, planejado. Esse é o que precisa ser trabalhado, é aquele em que você faz alguma coisa porque quer, porque tem uma missão, uma visão, todo um conjunto de coisas que conspiram em favor daquilo. É nesse sentido que eu entendo empreendedorismo mais por iniciativa. Esse é o original, aquele dos EUA da década de 20, 30, com a Ford, a Gold, com aquela tropa que montou a Chrysler, Goodyear, GM, Firestone, 3M.

Em que consiste a vocação que você tanto defende?

A vocação é um termo que vem lá da Idade Média e que foi cunhado por Max Weber. Ele se baseou na escola de Martinho Lutero, que dizia que o trabalho é a base e a chave da vida. Enquanto que, para os católicos, o trabalho é igual a castigo, para os protestantes, dignifica o homem. Max Weber percebeu que as famílias mais ricas dos EUA, naquela época, eram todas protestantes. Por quê? Justamente porque eram focadas em trabalho. A partir daí, ele percebeu que o trabalho tem de estar associado a alguma coisa que o faça sentir-se realizado. Então, Weber criou a palavra “vocação”, que é fazer algo que você adora tanto que, se o tirassem daquilo, ficaria frustrado, é algo que te envolve. A vocação está associada àquilo que eu gosto de fazer, que me realiza, que me sinto bem fazendo. E o dinheiro vem por consequência. Hoje, muita gente busca o dinheiro para tentar ser feliz, mas não. Primeiro, você tem de buscar alguma coisa que goste para, depois, o dinheiro aparecer.

Quais são as ameaças trazidas pela crise para quem pretende empreender?

A ameaça é você ter um grande número de empreendedores que, por necessidade, irão se atirar no mercado e acabarão, de certa forma, proliferando algumas profissões, o que tumultua um pouquinho. Pois são mais pessoas disputando uma mesma demanda. Você verá muito isso na crise, porque as pessoas realmente se perdem. Quando a pressão financeira vem, você acaba fazendo o que vê pela frente, sem planejar nada ou aplicar alguma estratégia, e isso é ruim, já que contribui para aumentar ainda mais o índice de mortalidade das empresas. Hoje, segundo o Sebrae, 60% das organizações morrem até o quarto ano. Apenas 5% chegam ao sétimo ou oitavo ano.

E as oportunidades?

Como já diz o ditado chinês “É na crise que as oportunidades aparecem”. Então, encontramos vários nichos que ainda podem ser explorados. Nessas horas, você pode fortalecer seu negócio, procurando fazer algo diferente para agregar mais valor. Existem muitas oportunidades na área de serviços, na de terceirização também, pois há uma tendência de as empresas terceirizarem alguns departamentos, deixando assim a estrutura mais enxuta e fácil de administrar. Esse é um nicho fantástico que as pessoas podem aproveitar. Outra oportunidade é a área de TI, por exemplo, que tem uma demanda cada vez mais pressionada e não possui tantos profissionais. São muitas as áreas que podem ser aproveitadas, porém, em todas elas, precisamos de formação e conhecimento, e isso é o que está difícil. Quem está se estruturando, buscou um determinado nicho, aperfeiçoou-se e especializou-se não tem problema.

Quais são os passos que devem ser seguidos por quem deseja empreender?

Primeiro, é preciso ter identificação com o negócio. Segundo, possuir conhecimento, pesquisar o segmento para onde está caminhando, se existe demanda, quais são os concorrentes e onde eles estão posicionados, os locais mais favoráveis, etc. É necessário fazer ao menos uma pesquisa do segmento para saber quem produz, quem fornece e quem entrega. É importante também conhecer as competências e habilidades das pessoas que irá precisar. Terceiro, é essencial um bom plano de negócio. Talvez, ele nem funcione na prática, mas orienta, dá a base, fundamenta. O plano de negócio é dinâmico, ele muda a cada instante e deve ser corrigido todos os anos. Geralmente, as pessoas têm dificuldades para elaborá-lo, por isso você deve procurar o Sebrae, fazer uma pesquisa na internet ou buscar um profissional que o ajude, pois sozinho é muito mais difícil. E, por último, não tem jeito, é trabalhar, mas com foco. Não adianta ser um maluco, que faz de tudo um pouco e acredita que em seis meses ganhará dinheiro.

Como conciliar vida pessoal com trabalho?

Enquanto empresário, você é responsável por pessoas: possui uma cadeia de dependência formada por fornecedores, empregados e clientes. Para que possa atender a tudo isso, você precisa ter foco, concentração e equilíbrio. Como fazer isso? Há várias maneiras: primeiro, se fizer do dinheiro o seu senhor, você estará perdido. É preciso tentar equilibrar, ser a mesma pessoa que você é em casa, em termos de integridade, no trabalho. Segundo, não misture as coisas, empresa é empresa e casa é casa. Não dá para misturar, por exemplo, o caixa da empresa com suas contas pessoais. A sequência: faltou em casa, tira da empresa; faltou na empresa, tira da poupança, não dá. O que é destinado ao empreendimento, desde o primeiro momento, deve ser gerenciado de maneira responsável. Cada coisa, e conta, em seu lugar.

O que um empreendedor ideal tem?

Um forte espírito de liderança, o que, às vezes, é difícil manter. Além disso, o empreendedor precisa ter ética, ser socialmente responsável, preocupado com a comunidade, com seus acionistas, caso existam, possuir preocupação com a vida pessoal e profissional, equilíbrio e, principalmente, tem de criar empregos. Ele também precisa saber delegar as responsabilidades. A gente quer abraçar o mundo, mas não dá. Fazemos isso, muitas vezes, por ciúmes e insegurança. Precisamos estabelecer prioridades constantemente (assim como disse Joe Calhoon, em entrevista publicada na edição de junho da VendaMais), pois nem tudo é urgente e necessário. Ser empresário é aquele negócio: você tem de pagar salários no começo do mês – tendo ou não dinheiro na conta. E somente poderá fazer uma retirada de dinheiro da empresa se realmente sobrar. O problema é que nós, de uma maneira geral, não conseguimos conviver com a oscilação, e os empresários precisam saber viver nesses altos e baixos. Para isso, é preciso equilíbrio, ser uma pessoa muito centrada e, ao mesmo tempo, não pode ser centralizadora.

Quando não é aconselhável empreender?

Você não empreende quando não tem a convicção de que aquilo é o que realmente quer. Também existe a questão da oportunidade, será que é o momento correto? Há ainda o fato de não ter a segurança de trabalhar sozinho. Será que um sócio é ou não um bom negócio? Quem tem sócio tem patrão, ou seja, você vai precisar prestar contas. É por isso que, muitas vezes, as pessoas preferem empreender sozinhas, a menos que você tenha um vínculo tão forte de amizade, conhecimento e áreas correlatas que consiga estabelecer uma grande sinergia e aquilo não o preocupa. Mas você precisa avaliar o risco sempre. Monet possui uma frase que é muito interessante: “Os homens preferem a escravidão na segurança ao risco na independência”, isto é, muitos preferem ter um salário mensal e ficar sofrendo em uma empresa que detestam, que não gostam das pessoas nem da forma de trabalho, porque aquilo rende mil ou 2 mil reais por mês. E vão levando, até que um dia, quando se aposentarem e virem que a vida passou, percebem que não realizaram muita coisa – e isso é muito ruim. Você precisa ter alguns cuidados, mas não pode ficar esperando a vida toda. Você deve olhar com olhos críticos, porém com um pouquinho de ousadia. Quem não é ousado não pode ser empreendedor. Olha quantas “besteiras” os empresários cometem porque atropelam as coisas, não têm processos, não possuem pessoas qualificadas ou são extremamente desconfiados. Todos os dias, milhares de empresas abrem e fecham. Entretanto, o bom empreendedor sempre volta. Duas coisas são importantíssimas para ele: sentido de realização e de contribuição.

Conteúdos Relacionados

Pin It on Pinterest

Rolar para cima