O concorrente amigo

Quais são as vantagens de ter um bom relacionamento com a concorrência?

Quando duas pessoas têm alguma coisa em comum, isso pode ser o início de uma amizade. Seja porque escolheram o mesmo curso na faculdade, são verdadeiros amantes do futebol, são vizinhos de infância ou também porque trabalham na mesma área. Não dá para negar que dois dentistas, mesmo que concorrentes, têm muita coisa para conversar: de discussões técnicas sobre clareamento dental à nova marca de luva cirúrgica. E por que será que dois comerciantes ou duas empresas do mesmo ramo também não podem ter esse tipo de amizade? Talvez soe estranho dizer que você pode, sim, ser amigo do seu concorrente, mas a verdade é que, desde que não seja cartel (que é crime e não tem nada a ver com a amizade que estamos falando), esse relacionamento traz benefícios tanto para a empresa quanto aos clientes.

 

Para Stanley Pacheco, professor e autor do livro Como conviver com a concorrência (Editora Interciência), a globalização trouxe questões importantes com relação à potência cada vez maior das grandes empresas, as quais acabam atropelando as pequenas e médias. “Acho que a associação entre empresas é importante. A ação conjunta pode levar à maximização dos negócios e à possibilidade de sobrevivência. Alguns supermercados menores, empresas de eletroeletrônicos e outros segmentos desse tipo se associam para fazer compras em conjunto e ter mais poder de negociação com os fornecedores. Assim, podem conseguir vantagens competitivas semelhantes às dos grandes”, destaca Stanley.

 

O professor de planejamento de negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Cláudio Nasajon, sustenta que amizade é um termo muito forte para descrever o relacionamento entre concorrentes, mas ele concorda que o contato e o canal de comunicação existente entre comerciantes do mesmo ramo é tremendamente sadio para o negócio. O professor, que também é diretor da Nasajon Sistemas, lembra-se de uma situação em que a possibilidade de conversar abertamente com um concorrente inibiu uma possível briga entre duas empresas.

 

Ele conta que um funcionário da Nasajon saiu da empresa e foi trabalhar na concorrência. Chegando lá, como o concorrente precisava de mais colaboradores, o funcionário decidiu sozinho facilitar o processo de seleção chamando seus ex-colegas para assumirem as vagas. Intrigado com a saída atípica de colaboradores, Cláudio Nasajon resolveu perguntar para a concorrência por que eles estavam “roubando” seus funcionários. Foi só aí que o dono da outra empresa descobriu como estava sendo feita a seleção, pediu desculpas e inibiu a contratação da forma como estava sendo feita. “Não era a maneira como eles queriam atuar. Se eu não tivesse tido a oportunidade de contato, o caso poderia ter deflagrado uma guerra com feridos para todos os lados”, lembra o diretor.

 

O Roteiro das Grávidas

Mas não é só para evitar conflitos que o relacionamento entre concorrentes é positivo. Ele também pode ser uma excelente maneira de alavancar os negócios. Conhecer e manter contato com aquele que poderia ser seu maior inimigo é uma ótima forma de trocar experiências e aumentar as vendas. Foi o que aconteceu com algumas lojistas da Vila Olímpia, em São Paulo. A região tem um potencial forte na área de moda para gestantes, por isso, várias lojas do mesmo ramo começaram a ser abertas uma ao lado das outras. Com a conversa do dia a dia, o contato frequente e alguns almoços informais, surgiu a ideia de fazer anúncios em conjunto, já que as empresas tinham basicamente o mesmo nicho de mercado. “No início eram ações isoladas, mas depois percebemos a necessidade de fazer algo mais abrangente e estruturado do que apenas um anúncio ou promoção”, comenta Vanessa Valle, porta-voz do Roteiro das Grávidas.

 

Foi então que quatro lojas da região resolveram se juntar e criaram, em setembro do ano passado, o Roteiro das Grávidas. A ideia surgiu para divulgar a região como um polo de lojas de moda, arquitetura, decoração e artigos destinados a grávidas, mães e bebês. Para Vanessa, que também é proprietária de uma das lojas do Roteiro, a troca de experiência e de informação é muito positiva e fundamental para o negócio. “Nós falamos de atendimento, pensamos em promoções, damos dicas do layout das lojas e até uma parte chata, quando nos deparamos com algum cliente que está aplicando golpes na região. Nós enviamos um e-mail para todas as lojas falando do caso e alertando. Isso já aconteceu duas vezes e foi importante porque a mesma cliente esteve em outra loja”, conta.

 

A principal dica que Vanessa recebeu de suas concorrentes foi sobre o horário de atendimento: “Elas me avisaram que as clientes estavam reclamando de que chegavam na Vila Olímpia e a minha loja não estava aberta. Foi uma dica para padronizar o horário no sábado. Mudamos em razão do feedback delas, e isso foi muito importante para a nossa loja. Quanto mais o comércio estiver ativo, melhor para todo mundo”.

 

Uma das grandes vantagens desse contato, segundo Vanessa, é a possibilidade de ações conjuntas tanto na área de responsabilidade social quanto de marketing. “Se entramos junto para fazer publicidade do Roteiro, temos mais força, podemos colocar anúncio em veículos maiores e a visibilidade aumenta”, assegura. Embora as lojas tenham produtos muitas vezes similares, Vanessa acredita que a disputa pelo cliente é saudável. “Ela existe, mas agrega. Com o amadurecimento do lojista e a busca por diferenciação, a disputa fica saudável e todo mundo ganha. As lojas aprimoram o serviço e o atendimento. No fim, o consumidor é que sai ganhando”, completa.

Para minimizar possíveis desentendimentos entre as lojistas que já estão no Roteiro das Grávidas e as próximas que vão entrar, o grupo decidiu contratar um advogado para fazer um código de ética. “Basicamente o código confirma que o cliente é o foco do nosso negócio. Entre os pontos do código estão: não contratar funcionário da outra loja, não plagiar coleções de roupas, não excluir as lojas nas ações do Roteiro, não formar cartel e por aí vai”, assinala.

 

Arranjos Produtivos Locais

O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), por meio do programa Arranjos Produtivos Locais (APL), acaba sendo um dos grandes incentivadores do contato entre concorrentes e empresas que fazem produtos correlatos. A ideia ao formar um APL é unir, em um grupo articulado, as pequenas e microempresas de uma mesma cadeia produtiva, fazendo com que elas tenham uma força que não teriam isoladamente. Além de participarem de cursos em conjunto e possuírem a assessoria do Sebrae, elas podem, por exemplo, compartilhar de uma mesma encomenda de um fornecedor, que não os atenderia se estivessem sozinhas, podem comprar uma máquina em conjunto para melhorar a produção de todos, podem partilhar experiências e aumentar a qualidade de todo o processo produtivo.

 

O Sebrae de Minas Gerais, em parceria com os Clubes dos Dirigentes Lojistas (CDL) das cidades de Uberaba e Ituiutaba, criou um APL na região, unindo 20 empresários do setor calçadista e de acessórios. “Estamos começando a mudar o conceito mercadológico dos empresários. Como resultado, conseguimos ir para a Francal, uma das maiores feiras de calçados do País, com 17 lojistas e compramos R$800 mil em mercadorias. Futuramente pretendemos fazer uma central de negócios para, entre outras ações, realizar compras em conjunto”, afirma Luísa Vidigal, técnica do Sebrae.

 

Cleide Aparecida Pachecoé uma das empreendedoras que participa do APL em Uberaba. Ela é dona da Zambeze Calçados há cinco anos e acredita que aprendeu muito com o contato que possui com os concorrentes. “Para mim, foi muito bom porque, quando cheguei lá, eu tinha a menor loja. De início, eu não queria ir, mas depois pensei: ‘Vou lá ouvir os grandes e aprender’. Depois, fui pegando um carinho pelos meus concorrentes e vendo que, na verdade, a concorrência vai muito além de preço e fornecedor. O atendimento de cada um é tão pessoal que isso faz com que se tornem diferentes”, destaca Cleide.

 

Para ela, a troca de experiências e o conhecimento é a melhor vantagem do relacionamento com os outros empreendedores. “Para você ter uma ideia, eu nem conhecia a VendaMais. Fiquei sabendo dela porque o Antônio, da Tatuapé Calçados, me mostrou. E ele me passou ainda outras dicas interessantes. A partir do momento que aprendo, consigo vender melhor, fazer melhores pedidos e lucrar mais”, explica. E, assim como Antônio deu dicas úteis para Cleide, o contrário também aconteceu. “Eu já tinha site, mas não possuía Orkut para a empresa. Aí a Cleide me deu essa ideia e disse que estava fazendo 30% das vendas pelo site de relacionamento. Eu me animei e fiz um Orkut para minha empresa. Tenho realizado vendas excepcionais por lá”, destaca Antônio Carlos Pacheco dos Santos, dono da Tatuapé Calçados e um dos participantes do curso do Sebrae.

 

Embora tenha uma empresa pequena, com apenas um funcionário, Cleide procura usar a criatividade para aumentar as vendas. Com o site de relacionamento, tem vendido seus calçados para vários estados do Brasil e, até mesmo, para o exterior. “Criei o site, que foi uma dica do Antônio, o que é importante para falar institucionalmente da empresa, mas ele não me dá o retorno em vendas que o Orkut dá. Só que, para o Orkut funcionar, tem de se fazer acompanhamento contínuo dos clientes. Procuro atendê-los como se estivessem na minha loja”, comenta.

 

Para Antônio, além da dica de vendas pelo Orkut, a principal informação que ele pôde tirar do contato com os concorrentes e do curso do Sebrae foi sobre como aprimorar a contratação de profissionais. “Sempre tivemos dificuldades com o RH e, agora, temos ferramentas para melhorar isso”, comenta. Ele concorda com Cleide quanto ao fato de que a concorrência diminui quando o comércio se diferencia. “Quem é diferenciado não precisa ter medo. O importante é trazer uma roupagem nova para o negócio, ter novos fornecedores, melhorar o atendimento. Isso faz a diferença”, destaca.

 

Empolgada com a história de manter contato com os concorrentes, Cleide chegou a promover um bazar com os lojistas da galeria onde seu comércio está instalado. “Eu tinha de vender e não possuía dinheiro para propaganda. Fui falando sempre para eles que estávamos em um ponto bom e tínhamos de divulgar. Plantei a sementinha e, numa dessas conversas, alguém teve a ideia de fazer um bazar”, comenta a empresária. Os comerciantes se juntaram, alugaram barraquinhas e montaram um bazar com descontos especiais durante o fim de semana. “Eu vendi três vezes mais do que vendia no sábado e acredito que todo mundo vendeu bem”, conta, empolgada. A ideia agora é promover o bazar sempre, uma ou duas vezes por ano.

 

Academias amigas

Em Curitiba, um grupo de empresários donos de academias costuma se encontrar para falar sobre assuntos relacionados com a realidade de quem gerencia uma empresa de fitness. Hoje os encontros não são mais marcados, não há uma sazonalidade prevista, mas o contato permanece. “Mantenho um bom relacionamento com mais ou menos dez empresários, como as academias Gustavo Borges, Carpe Dien, Amaral, Swimex e outras”, conta Ronald Berg, um dos sócios da Academia Be Happy. Desde a inauguração de sua empresa, em 1991, ele sempre procurou manter contato com os concorrentes, prática que considera comum no mercado de academias. Segundo Ronald, amizade profunda com a concorrência não existe, mas há uma consideração grande, mais que apenas coleguismo.

 

Ronald acredita que não há formas de os encontros com a concorrência serem negativos para seu negócio. “Você não vai desenvolver esse tipo de relacionamento com pessoas que não te respeitam e que você não respeita. Isso só pode ser negativo quando se tem algum interesse escuso. E, no meu caso, isso é raro”, destaca. Ele reforça, no entanto, que o empresário não pode contar ao concorrente sobre uma estratégia de posicionamento para a diferenciação de sua empresa, caso contrário, estará se autoprejudicando. “Depois que a diferenciação for aplicada no seu negócio, aí não há problema porque vira uma informação pública. Os concorrentes vêm visitar a academia para ver, mas não dá para contar antes”, pondera.

 

Segundo ele, o contato frequente entre concorrentes faz com que exista uma consulta saudável na hora de comprar novos produtos. Ele dá um exemplo: “Havia um fornecedor de bomba de calor que prometia X por cento de economia de energia. Como eu já sabia que um concorrente havia comprado a bomba, liguei para ele para conferir se a economia de fato havia acontecido. Com base na informação dele, decidi minha compra. Desde que você não esteja perguntando algo relacionado com uma estratégia importante, é muito bom poder compartilhar esse tipo de informação”.

 

Empresas de TI

A Nasajon Sistemas é outra empresa que possui um ótimo relacionamento com as concorrentes Microsiga e RM. “Não são empresas amigas, mas as consideramos de boa índole, sérias e competentes, com as quais temos um bom canal de relacionamento”, afirma Cláudio Nasajon. Por já ter sido presidente da Associação Brasileira de Tecnologia da Informação, Software e Internet do Rio de Janeiro (Assespro-RJ), Cláudio afirma que o contato com os concorrentes se torna mais fácil por esse caminho. “Encontros formais não existem, o que a gente faz são reuniões por meio da Associação e de congressos”, explica.

 

No último encontro realizado na Associação, os empresários falaram sobre a dificuldade de encontrar mão de obra especializada na área. “Há muita falta de programadores analistas no mercado, então a gente está tentando entrar em contato com as universidades para que passem a oferecer mais mão de obra”, emenda o diretor. Para ele, o contato com a concorrência é sempre interessante: “Mesmo que a empresa não queira fornecer muitas informações, esse tipo de contato é melhor do que a inexistência dele”.

 

A união faz a força

Na Grécia Antiga, os vendedores e compradores costumavam apelar para Hermes, um dos deuses do Olimpo, pedindo proteção e bons negócios, tanto que, segundo a mitologia, Hermes foi o responsável pela invenção da balança para garantir que ninguém fosse roubado em uma venda. Como não convém muito que contemos com a ajuda dos deuses gregos para prosperar nos negócios, uma das maneiras de melhorar as vendas é aprender com os outros. É impossível que, de um contato sadio com a concorrência, não saiam dicas importantes para seu negócio ou para suas vendas.

 

O professor e escritor Stanley Pacheco acredita que é necessário analisar a real intenção dos empresários e vendedores ao se unirem com a concorrência. Caso a intenção seja agregar e construir, as ações valem a pena. Mas, se a intenção for captar informações privilegiadas (pela espionagem industrial, por exemplo) para depois desenvolver a estratégia da sua empresa, então é melhor ficar longe. “As pessoas que sentam nesses encontros não são ingênuas e sabem até que ponto podem ou não revelar informações internas. Eu acho que juntos somos sempre melhores do que separados – a união das empresas com cabeças e estratégias diferentes, coisas que uma não consegue destacar e a outra faz muito bem, esse contato só agrega”, explica. 

 

A dica do professor Cláudio Nasajon para criar um canal de comunicação com a concorrência é participar das associações de classe. “As associações são como um terreno neutro para discutir assuntos que são comuns a todos. Ninguém vai falar de política de preços nem de estratégias para o ano que vem, mas são assuntos que dizem respeito a todo mundo e que é bom que exista nesse canal. Então, a minha recomendação para todo empresário de qualquer setor é que ele faça parte das suas associações de classe. É uma forma de abrir o canal de comunicação”, conclui o professor.

 

Amizade não é cartel

Esse bom relacionamento com os concorrentes de forma alguma prevê a prática de cartel, em que as empresas se juntam para combinar preços ou dividir o mercado de modo a prejudicar o cliente. A ideia é justamente o contrário: trocar informações para que o cliente saia sempre ganhando com uma empresa melhor, mais informada e que oferece um produto ou serviço de qualidade. De acordo com o Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), cartel é um acordo ou prática concertada entre concorrentes para fixar preços, dividir mercados, estabelecer cotas ou restringir produção ou adotar posturas pré-combinadas em licitação pública. Os cartéis causam graves prejuízos aos consumidores, tornando bens e serviços completamente inacessíveis a alguns e desnecessariamente caros para outros.

 

Segundo estimativas da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20% comparado ao preço em um mercado competitivo. O Cade afirma que essa conduta anticoncorrencial é considerada, universalmente, a mais grave infração à ordem econômica existente e é crime, com pena de dois a cinco anos de reclusão ou multa que varia de acordo com o caso, conforme a Lei  nº 8.137/90.

 

 Para Cristina Corso Ruaro, promotora de justiça da Promotoria de Defesa do Consumidor de Curitiba, a livre concorrência é fundamental para o bom andamento da economia de mercado, influenciando livremente a queda dos preços – diante da lei da oferta e da procura – bem como ampliando a variedade e qualidade dos produtos. “O alinhamento de preços representa abuso do poder econômico em detrimento dos interesses dos consumidores e dos demais concorrentes, haja vista que objetiva o domínio do mercado e a eliminação de concorrentes”, destaca. Atualmente, na Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Curitiba tramitam procedimentos para análise da caracterização de cartel em decorrência de alinhamento de preços de combustíveis e gás GLP.

 

Para saber mais:

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