O desafio da mĂ©dia gerĂȘncia no Brasil

Um dos principais desafios de gestĂŁo comercial que percebo nas empresas brasileiras Ă© o que chamo de desafio da mĂ©dia gerĂȘncia (aqui entendida como gestores regionais, gestores de linhas de produto e assim por diante).

Essa lacuna existe pela falta de desenvolvimento e atĂ© pelo desenho equivocado das funçÔes da mĂ©dia gerĂȘncia ou pela sobrecarga de expectativa e atividades. E, na realidade, esse problema nĂŁo afeta apenas a ĂĄrea comercial; de maneira geral, essa Ă© uma lacuna na gestĂŁo das organizaçÔes, independentemente do setor. É por isso que Ă© tĂŁo importante falarmos sobre isso.

O problema

Percebo que hĂĄ uma falta de foco nas empresas para desenvolver os profissionais da mĂ©dia gerĂȘncia. Vejo uma alta gestĂŁo (na qual se encontram diretores comerciais e gerentes nacionais de venda) razoavelmente bem desenvolvida, enquanto Ă© muito menos comum que exista uma preocupação com o desenvolvimento do time de mĂ©dia gestĂŁo.

Fui tomando ciĂȘncia dessa situação depois que percebi, em muitos projetos de consultoria e treinamento, que os diretores falavam de clientes, da equipe comercial, mas falavam muito pouco das pessoas que estavam diretamente ligadas a eles. Com o passar do tempo isso foi me incomodando muito. Simultaneamente, esses mesmos gestores reclamavam que problemas operacionais chegavam atĂ© eles. O que me leva a uma primeira anĂĄlise…

A mĂ©dia gerĂȘncia Ă© responsĂĄvel por proteger a alta gestĂŁo!

Quando a mĂ©dia gerĂȘncia Ă© negligenciada, a mais alta gestĂŁo fica vulnerĂĄvel a demandas operacionais.

Isso não significa que acredito que a alta gestão deve estar distante da operação. Porém, penso que é preciso que haja espaço para que esses profissionais possam pensar estrategicamente, ou a empresa fica burra. E isso só é possível se os gestores fizerem efetivamente seu trabalho!

Definindo o trabalho da média gestão

“Mas qual Ă© o trabalho da mĂ©dia gestĂŁo?”, vocĂȘ pode perguntar.

Respondo dividindo nos seguintes itens:

  1. Equipe. É responsabilidade dos gestores regionais, gestores de linhas de produtos, etc., deixar a equipe pronta para executar a estratĂ©gia da melhor maneira possĂ­vel. Para isso, eles precisam se preocupar em treinar seus vendedores (sobre produtos e valores, sobre o que fazer, mas, acima de tudo, sobre como fazer).

  2. Indicadores de performance. Quando um vendedor perde performance, imediatamente o gestor deve entender o que estĂĄ acontecendo e trabalhar para corrigir as falhas. Para isso, Ă© preciso estar atento aos indicadores de performance. Dessa forma, serĂĄ possĂ­vel identificar o que estĂĄ levando aos resultados abaixo do esperado – falta de prospecção, baixa venda de mix etc. – e agir para reverter esse panorama.

  3. Clientes. Outra missão dos profissionais de média gestão é fazer a gestão de clientes por meio da equipe e junto com a equipe (e não apesar da equipe).

  4. Share of wallet. O gestor também deve cuidar da participação que sua empresa tem em cada cliente. Para isso, deve ficar atento ao aproveitamento de cada região e explorar ao måximo a participação em cada cliente (principalmente clientes A e B).

  5. Boas pråticas. Identificar e compartilhar boas pråticas dentro da equipe também é tarefa da média gestão.

  6. Foco no positivo. Em seu livro O gerente eficaz, Peter Drucker recomenda: foque nas forças, não nas fraquezas. E, como sempre, ele tem razão! Ninguém aguenta um gestor que sempre olha para as fraquezas de sua empresa. Portanto, olhe para os pontos fortes, traga soluçÔes e tome boas decisÔes.

  7. Valores. Cuidar dos valores da organização é mais uma missão de quem ocupa cargos de média gestão. E valores são defendidos no campo.

EstĂĄ claro que temos muito trabalho aĂ­. E muitas dessas atividades podem ser executadas em uma mesma ação, com muita sinergia. Por exemplo: o gestor pode – e deve – visitar clientes com sua equipe. Nesse caso, clientes A e B devem ser priorizados. Isso nĂŁo significa, porĂ©m, que os clientes menores devam ser abandonados, apenas nĂŁo devem ser tratados como prioridade.

Ir a campo com a equipe é a principal forma de treinamento e também a mais eficiente. Se o gestor vai a campo com a equipe para visitar clientes A e B, ele também estarå monitorando aproveitamento do potencial em grandes clientes e treinando sua equipe a explorar ao måximo esse potencial. Mas se o gestor sai com a equipe sem planejamento e visita apenas clientes de pequeno porte, ele estarå deixando de aproveitar uma oportunidade.

Na prĂĄtica

Recentemente, os lĂ­deres de uma empresa na qual desenvolvemos um projeto disseram que a função de medir potencial dos clientes A e B era do gestor, nĂŁo apenas da equipe. Isso significava que ele devia medir o potencial do cliente durante uma visita. Como havia expectativa de que o gestor visitasse todos os clientes A e B durante um semestre, esse nĂșmero estaria sempre atualizado, e o gestor regional era o responsĂĄvel direto por esse relatĂłrio.

Gostei muito disso, pois geralmente essa informação fica entre um e outro e ninguém realmente faz.

A verdade Ă© que tudo fica mais fĂĄcil quando as funçÔes do mĂ©dio gestor estĂŁo claras. O problema, porĂ©m, Ă© que isso muitas vezes nĂŁo acontece. E um dos motivos Ă© evidente: existe uma sobrecarga de funçÔes sobre a mĂ©dia gerĂȘncia.

Sobrecarga de funçÔes

Vou contar aqui um exemplo para ilustrar como isso costuma se manifestar na mĂ©dia gerĂȘncia.

Muitas vezes os profissionais da mĂ©dia gerĂȘncia ficam responsĂĄveis por contratar pessoas. Mas nĂŁo apenas por dar a palavra final; cabe a eles identificar pessoas no mercado, entrevistar, selecionar e ainda dar a palavra final. NĂŁo acredito que isso seja produtivo. E vou explica por quĂȘ.

Quem faz todo trabalho de contratação geralmente tem muita dificuldade de demitir, pelo simples fato de que contratar dĂĄ muito trabalho. EntĂŁo o pensamento que segue quando a performance do profissional começa a ser questionada Ă©: “vamos tentar um pouco mais com alguĂ©m mediano, para nĂŁo ter que fazer todo processo novamente”. AlĂ©m disso, todo ciclo de contratação toma um tempo enorme e desvia o gestor de sua real função.

Tive grandes debates sobre isso em empresas que defendiam que nĂŁo tinham estrutura para identificar potenciais candidatos na regiĂŁo. Ora, isso Ă© função do RH! É claro que se o gestor conhecer alguĂ©m bom ou conseguir uma indicação, ele deve usar seu conhecimento no mercado para sugerir essa pessoa, mas nunca deve ser sua responsabilidade fazer todo processo.

Quer mais um exemplo de sobrecarga de funçÔes na mĂ©dia gerĂȘncia? Vamos lĂĄ!

Certa vez, o presidente de uma empresa me disse que seu gerente regional tinha que levantar o potencial da sua região. Veja que acima falei que o médio gerente deve cuidar da participação nos clientes, mas o potencial do mercado na região é função estratégica, portanto, essa informação tem que chegar até o regional, não ser levantada por ele.

Como mudar esse panorama

Definir a rotina da mĂ©dia gerĂȘncia Ă© função do gerente geral. PorĂ©m, vejo que em muitas empresas cada gestor regional tem o seu modelo de gestĂŁo da equipe, quando na verdade o ideal seria ele receber uma sugestĂŁo de modelo da empresa. AĂ­ vem o debate: cada um tem o seu estilo, concordo plenamente com isso, mas Ă© preciso que a empresa dĂȘ um norte claro.

Neste sentido, para mim, um bom gestor médio deve:

  1. Ser um bom treinador e desenvolvedor de pessoas. É preciso gostar de pessoas para desempenhar bem essa função. Afinal, a solução vem por meio das pessoas e não apesar delas.

  2. Ser um bom negociador. Gestores serão envolvidos em negociaçÔes em clientes maiores. Por isso mesmo, precisam saber negociar. Caso contrårio, isso sempre chegarå para a direção.

  3. Ter uma organização e rotina. O médio gestor precisa ser organizado. E ponto final. Isso porque ele serå responsåvel pela base da estrutura comercial, e não existe base sem processo.

  4. Ser uma pessoa naturalmente de campo. NĂŁo existe bom gestor regional de gabinete, que fica trancado na sua sala e que considera um problema ter que ir para a rua.

  5. Ser cuidadoso para escolher quem vai participar do seu time e rĂĄpido para definir quem precisa sair. Isso garantirĂĄ que sua equipe mantenha a consistĂȘncia na alta performance.

Temos aĂ­ um teste. Se vocĂȘ der uma nota 0, 1 ou 2 para cada um desses itens, terĂĄ uma boa anĂĄlise e um belo plano de ação.

Por fim, deixo uma lição que aprendi com RogĂ©rio Mendes, um grande gestor que se tornou meu amigo. Ele usa a seguinte frase: “Se vocĂȘ entrar em uma sala e encontrar vĂĄrios aparelhos de rĂĄdio fazendo um barulho infernal, desligue primeiro o que estiver tocando mais alto”. Um belo exemplo de priorização. Um bom gestor precisa agir sobre os seus maiores desafios, nĂŁo fugir deles!


Marcelo Caetano Ă© sĂłcio-diretor da VendaMais e autor dos livros Vendedor fiel, cliente fiel e Chega de desconto!

E-mail: [email protected]

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