O futuro da gestão comercial é analítico. Sua empresa está preparada?

Por Natasha Schiebel

Sozinhos, os dados que você coleta não levarão a gestão comercial da sua empresa para o próximo estágio: o da transformação da sua empresa de um bom exemplo em termos de processo para uma organização de fato inteligente. É a cultura analítica que fará isso!

O que isso significa, na prática? Como desenvolver essa cultura? É o que revela Ricardo Cappra, cientista de dados, pesquisador de cultura analítica e fundador do Cappra Institute for Data Science, instituto que pesquisa o impacto dos dados na sociedade e nos negócios e, a partir disso, cria métodos, projetos, labs e startups que aceleram o desenvolvimento analítico de pessoas e empresas ao redor do mundo. Acompanhe!

Visite: cappra.institute

VendaMais – Para que o trabalho de ciência de dados fique claro já no início dessa conversa, queria que você contasse como funcionam as salas de inteligência coletiva de vendas desenvolvidas pelo Cappra Institute.

Ricardo Cappra – Basicamente, nós preparamos um ambiente totalmente orientado por dados e, nesse ambiente, reunimos todas as informações importantes para o negócio.

Em um projeto específico, chamamos a sala de DeLorean, em referência à série de filmes De volta para o futuro, porque ela visita três momentos: o passado, o presente e o futuro.

Mas eu não vou focar no case em si, porque na verdade conceitualmente a sala é ainda mais importante, já que todas as organizações têm os mesmos problemas na geração de negócios e são esses problemas que visamos resolver nesse ambiente.

Por exemplo: normalmente, dados históricos não estão organizados para ajudar a prever o futuro. Quando um executivo de vendas está indo fazer um negócio, ele geralmente consulta os próprios relatórios, sem olhar necessariamente o histórico dos negócios da empresa. Então, ele chega para tomar uma decisão amparado em poucos dados. O que uma sala de performance de vendas faz? Ela traz para o momento atual o histórico de todos os vendedores até aquele momento e, assim, permite que a gente entenda qual é a probabilidade de fechar aquele negócio, naquele determinado momento.

Digamos que eu vou visitar um cliente hoje, quinta-feira, pela manhã. A partir dos dados levantados na sala, eu seique a probabilidade de fechar nesta manhã é de 73%, e que se eu visitar o cliente às 16h, talvez a probabilidade de fechar a venda seja de 32%. Eu sei disso porque os dados mostram que, historicamente, mais vendas são fechadas quando a visita acontece pela manhã do que quando as visitas ocorrem à tarde; e quando eu faço essa oferta na quarta-feira, talvez eu converta mais do que na terça-feira.

Em resumo: na sala eu tenho históricos de negócios que mostram a probabilidade e o percentual de chances de fechar em um melhor momento. Baseado nisso, é possível apresentar um modelo preditivo para futuro e concluir coisas como: se você realizar essa visita no próximo dia 18, às 13h, a sua chance de negócio vai ser de 92%.

Além disso, outras perguntas importantes em vendas também podem ser respondidas por meio desse trabalho – como, por exemplo:

  • Qual é o melhor momento para ligar para um cliente?
  • Quais clientes têm maior propensão de fechar um negócio?
  • Qual é a melhor oferta para cada cliente?

Ou seja, até agora, a gente tomou decisões na área de negócios olhando para relatórios estáticos. Essas salas nascem para responder perguntas em tempo real. Isso permite que eu interrompa o tempo agora, tome a decisão e entenda quais impactos isso vai ter no futuro.

A lógica de funcionamento da sala é esta, e a tecnologia, que eu acho que é importante a gente citar aqui não em ferramenta, mas como recurso, basicamente é coletar um monte de dadose criar modelos analíticos para que essa informação fique um pouco mais amigável, que é o que a gente chama de ciência de dados. E aí nascem esses painéis que são os dashboards, os algoritmos.

Ricardo Cappra

Você falou em “coletar um monte de dados” e eu me lembrei de uma frase sua que li e que diz que “o fato de ter muitos dados não assegura que exista big data”. O que transforma uma empresa que coleta muitos dados em uma empresa de fato orientada a dados?

Essa é uma pergunta muito relevante. A questão é que apesar de as empresas estarem intoxicadas por uma quantidade absurda de informações que estão disponíveis e sendo acumuladas (a isso damos o nome de infoxication), não necessariamente se consegue extrair valor dessas informações.

Geralmente, existem dois pontos que fazem com que isso não aconteça:

1) Falta habilidade técnica para extrair valor das informações. E aí eu estou falando de usar matemática, estatística, modelos avançados para cruzar dados.

2) Existe uma dificuldade para contar uma história através dos dados para os tomadores de decisão. Ou seja, não se consegue traduzir um dado numa informação para tomada de decisão.

A gente costuma atrelar o problema do mau uso de dados à técnica, que tem a ver com a cultura dos dados, que está relacionada a tratar bem um dado, qualificar, limpar, fazer um processo analítico. A cultura analítica, por outro lado, diz respeito a como as pessoas lidam com a informação; o jeito como analisam a informação para tomar decisão. E a cultura analítica não tem nada a ver com o aspecto técnico. Qualquer pessoa de negócio precisa saber lidar com análise de dados. Mas, infelizmente, não fomos preparados para isso. Então, em um momento em que existem muitos dados no mundo, a gente chega muito mal amparado para tomar decisões olhando para eles.

Ou seja, estamos vivendo uma grande transformação digital que afetou todo mundo, mas não estamos preparados para sermos mais analíticos. E isso vale para todos os setores. No varejo, por exemplo, em que há uma montanha de dados estruturados dentro de bancos de dados, existe um grande muro entre a área de negócios e a área técnica, porque eles não foram preparados para essa conversa. Portanto, as organizações precisam de uma cultura mais analítica para se tornarem efetivamente orientadas por dados.

Antes de avançarmos nisso, ainda na questão do volume de dados: como saber quais informações monitorar/avaliar/aprimorar e incluir no dashboard de vendas, em meio a tantas opções?

É importante entender que você nunca vai ter todos os dados que poderia ter, vai estar sempre em um processo evolutivo. Além disso, você nunca vai ter feito todos os cruzamentos que pode fazer. Então, a partir do momento que você começa a monitorar dados, vai começar a aprimorar esse processo e passar a entender que as variáveis que já monitora não são suficientes, que existe uma forma melhor de cruzar os dados, e assim por diante. Mas isso não pode te paralisar.

Portanto, o melhor a se fazer é criar um primeiro mapa de variáveis e monitorá-lo constantemente. Mais importante do que estar pronto, ter todas as variáveis, todos os dados, todas as ferramentas é começar! Escreve em um papel de pão, coloca numa planilha… não importa. Comece a olhar para as mesmas variáveis para observar o que acontece. E aos poucos você vai incrementando esse processo com novos dados, variáveis, análises etc.

Esse é um processo contínuo, não tem uma ferramenta pronta. Não há uma resposta precisa para essa pergunta, mas há esse caminho de descobrir o que funciona para a sua empresa e para a sua realidade, uma etapa de evolução por vez.

As empresas que têm melhor evolução data-driven são aquelas que fazem continuamente o processo. Não é a melhor ferramenta, a melhor técnica, o melhor algoritmo: é a continuidade do processo analítico como um todo que faz a diferença.

Ricardo Cappra

Qual é o papel do cientista de dados na área comercial? Indo além: você acredita que toda empresa deveria ter um cientista de dados em sua equipe?

O cientista de dados é um tradutor de um dado bruto para uma informação qualificada. Quando a empresa precisa de um modelo matemático avançado para fazer um modelo preditivo, que vai prever a quantidade de negócios que serão fechados nos próximos cinco anos baseando-se nos últimos vinte anos, com uma base de dados maior, um cruzamento de dados que nunca foi feito, é importante ter o apoio de um cientista de dados.

Mas não é todo mundo que precisa de tudo isso. Agora, o que eu tenho certeza que todo mundo precisa é de analytics. Ou seja, precisamos aprender habilidades de análise ao invés de usar isso através de um recurso. Isso porque em breve vamos usar isso como software, como serviço, assim como usamos qualquer outra ferramenta no nosso dia a dia de negócio.

Portanto, a preocupação deve ser desenvolver a capacidade do executivo de vendas, do vendedor, de se tornar mais analítico, de olhar para o problema através dos dados, e não somente através de uma visão empírica ou baseada no feeling ou no histórico individual que ele tem de negócio.

Na prática, a gente deveria aproveitar as habilidades do cientista de dados que fazem sentido no dia a dia do executivo de vendas e, a partir disso, olhar de um jeito diferente para a informação e para a tomada de decisão. Até porque, no dia a dia, não tem como ter um cientista de dados para cada executivo. Para o dia a dia a gente precisa pensar muito na educação do BI para o próprio executivo, para ele aprender a fazer o cruzamento de informações, entender que cada vez que ele está tomando uma decisão ele está olhando para os dados de uma forma adequada… ou seja, é muito mais uma educação analítica do que propriamente um cientista de dados ao lado de todo mundo.

É interessante você falar isso porque, quando eu estava me preparando para essa nossa conversa, observei que as habilidades técnicas (hard skills) necessárias para um cientista de dados podem realmente parecer muito distantes da realidade de boa parte das empresas. Porém, quando falamos de habilidade comportamentais (soft skills), a coisa muda de panorama… Você concorda com essa percepção?

Sim, com certeza. E eu vou além: um estudo que fizemos mostrou que, dentro dessa área de atuação, cerca de 75% das atividades hard skills serão substituídas por automação, virarão softwares. Enquanto isso, as soft skills são habilidades muito mais difíceis de automatizar, porque não são repetitivas e têm características humanas envolvidas. Por isso, a gente precisa se concentrar nas soft skills analíticas, que basicamente dizem respeito a saber fazer perguntas olhando para as variáveis disponíveis, ter curiosidade analítica sobre os problemas e assim por diante.

Portanto, os executivos, os vendedores, as empresas pequenas e médias, precisam estar realmente preocupadas em como vão desenvolver habilidades analíticas, e não habilidades técnicas.

Alguns anos atrás, falava-se muito que precisávamos educar mais para a programação, para formar programadores porque o mundo precisaria deles aos montões. Mas isso se mostrou uma falácia. O que a gente precisa mesmo é de pessoas pensantes.

Quais são os benefícios que a cultura analítica traz para as empresas?

Antes de responder, acho importante dizer que precisamos ter um pouco de cuidado ao falar de benefícios. Isso porque é muito difícil tangibilizar o resultado de analytics, assim como é difícil tangibilizar o resultado de tecnologia dentro do negócio. Porque ambos são a base, a premissa. Sem tecnologia e sem dados a organização não avança.

Não estou falando isso para dizer que dados não dão resultado; as empresas que têm uma taxa de decisão melhor são aquelas que olham e continuam monitorando as decisões que tomam. E usam dados como premissa.

Dito isso, vamos a alguns dos benefícios mais claros:

1) No momento em que eu compartilho informação com outras pessoas, eu crio uma inteligência coletiva para a tomada de decisão (o que aumenta o potencial de decisões inteligentes). É claro que nem tudo precisa ser compartilhado; o líder deve entender o que precisa compartilhar com cada tipo de público.

2) Toda vez que eu tomouma decisão eu gero dados e mais base de conhecimento. Quanto mais base de conhecimento, melhores serão minhas decisões, porque eu estou criando mais histórico. Isso é importante tanto para testar algo quanto para entender que um erro já foi cometido.

Um dos benefícios isolados que nascem disso é que os dados são base para que todos os negócios sejam laboratórios contínuos que permitem que novas inovações surjam baseadas em premissas claras, não somente em feeling.

As próximas empresas inteligentes basicamente terão máquinas que processam mais análises do que a gente como humano tem capacidade de processar. Elas só têm possibilidade de serem mais inteligentes se estiverem armazenando conhecimento. Esse armazenamento de conhecimento, mais as análises que geradas, levarão às novas empresas inteligentes que a gente vai encontrar no mercado.

Daqui para frente, veremos que aqueles que têm mais máquinas inteligentes ajudando serão os que vão conseguir dar saltos maiores como negócios. E isso basicamente porque estão armazenando dados e novos aprendizados em forma de conhecimento.

Dentro da área de negócios, dois grandes players de mercado que têm a premissa de utilizar Inteligência Artificial como fundamento do negócio são Amazon e Alibaba, dois e-commerces que dizem que não têm IA, têm “inteligência Amazon” e “inteligência Alibaba”. Eles dizem isso porque não tem nada de artificial. O processo de consumo da informação é artificial, mas a inteligência é da empresa, porque eles criaram aquela inteligência dentro do banco de dados deles. Essa premissa é muito importante porque quem não está construindo base de conhecimento e não está construindo inteligência do próprio negócio, vai perder para esses que estão construindo.

3) Ter o hábito de tomar uma decisão olhando para dados é libertador. Essa definição, aliás, não é minha, é de Hans Rosling, autor do livro Factfulness: O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos, que é um livro muito bom para quem está entrando na área.

Rosling fala que a tomada de decisão baseada em dados gera menos estresse porque você transfere uma parte da responsabilidade para uma análise, e isso permite que você entenda em quais pontos errou. Com o histórico, você não precisa ver isso como uma carga só sua, mas também da informação que você está processando, e isso gera uma melhoria contínua no processo – não só para você, mas também para aqueles que virão depois de você. Ou seja, você está preparando a sucessão para o negócio a partir dos dados.

Ricardo Cappra recomenda

3 livros para seguir sua jornada de aprendizagem sobre cultura analítica:

  1. Mais rápido e melhor: O segredo da produtividade na vida e nos negócios – Charles Duhigg
  2. Transformação digital: repensando o seu negócio para a era digital – David Rogers
  3. Inteligência Artificial – Kai-Fu Lee

O que você recomenda que o leitor que acabou de ler essa entrevista faça?

Inicie essa jornada! Crie o hábito de analisar dados para que isso vire uma cultura dentro da equipe, da empresa, individualmente, não importa.

Daqui para frente, vamos conviver com dados todos os dias. Precisamos olhar para o consumidor, para o público e para vendas com dados, porque se não fizermos isso, estaremos cometendo uma falha gigantesca, até porque, sem isso, sua empresa pode até ser boa em processos, mas não será mais inteligente que as demais.

Depois de iniciar a jornada, aprimore o jeito como você lida com análise de dados para que sua empresa se torne cada vez mais inteligente.

Talvez você possa pensar que estamos falando de algo distante, mas basta olhar para o pontual para entender por que precisamos falar disso: você precisa tomar uma decisão hoje? Qual rota você vai pegar? Como você toma essa decisão?

O Uber toma essa decisão olhando para dados, o que o torna mais eficiente. Se sua empresa não usar os dados, vai competir com coisas que não tem como controlar. Precisa começar agora. Qual decisão você vai tomar hoje? Quais dados está olhando? Coloca na mesa, toma a decisão. Vai tomar a mesma decisão amanhã? Olha para os mesmos dados! Aí você vai aprimorando. É um protocolo de tomada de decisão aprimorado pelos dados que precisa começar hoje.

Saiba mais!

Na Área do Assinante Premium VendaMais, você tem acesso a três estudos do Cappra Institute disponibilizados gentilmente por Ricardo Cappra: Insights da Maturidade Analítica Brasileira; Data Trends 2021; Insights sobre Habilidades Analíticas.

São excelentes fontes de conhecimento para você avançar na sua jornada de evolução da cultura analítica.

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