O milagre da vida

Ele chegou a ser conhecido como o ?pai da matéria? no jornalismo esportivo. Uma fatalidade reduziu seu poder de comunicação a um punhado de palavras. Nem isso foi capaz de tirar sua alegria de viver. Basta fechar os olhos e lembrar o seu lema: ?Vai lá, garotinho! É ripa na chulipa e pimba na gorduchinha!?. Osmar Santos O milagre da Vida

Ele chegou a ser conhecido como o ?pai da matéria? no jornalismo esportivo. Uma fatalidade reduziu seu poder de comunicação a um punhado de palavras. Nem isso foi capaz de tirar sua alegria de viver. Basta fechar os olhos e lembrar o seu lema: ?Vai lá, garotinho! É ripa na chulipa e pimba na gorduchinha!?.

Era o dia 22 de dezembro de 1994. E, apesar de já ser verão, estava frio e chovendo. Osmar estava na casa dos pais, em Marília, interior de São Paulo. Já era noite, estavam todos jantando, quando de repente ele levantou-se: ? Eu vou para Birigüi agora.

No dia seguinte ele participaria do churrasco de confraternização de fim de ano dos funcionários da sua concessionária de carros em Birigüi, que ficava a duas horas de Marília. Ninguém se preocupou muito com a decisão repentina de Osmar, afinal, ele conhecia aquelas estradas como a palma de sua mão.

Osmar chamou o filho Vítor para lhe acompanhar. Seria uma oportunidade de ficar um tempo com ele. Mas o filho não quis. Osmar arrumou uma mala pequena, jogou-a no banco de trás de sua Mercedes preta ? sonho de consumo que tinha realizado uma semana antes ? e voltou a chamar o filho para ir junto com ele. Vítor mais uma vez recusou.

Conformado, Osmar voltou até a porta da casa, deu um beijo na mulher, Rosa Maria, passou a mão nos cabelos encaracolados de Vítor. Sorriu, entrou no carro e partiu rumo a Birigüi.

Chovia. Por volta das nove horas da noite, Osmar viu à sua frente um caminhão fazendo uma manobra proibida no meio da estrada: uma conversão de 180 graus. Osmar ainda tentou desviar do veículo, jogando sua Mercedes para o acostamento. Mas o descuidado motorista do caminhão simplesmente deu marcha a ré para completar sua manobra. A quina traseira do caminhão bateu na coluna dianteira do lado do motorista da Mercedes. Pontaria precisa: ali era o único lugar que não acionava o air bag.

Outro motorista que havia observado o acidente, parou seu carro e foi buscar Osmar, que estava ribanceira abaixo. Tirou-o do carro. Percebeu que havia um buraco em sua cabeça, por onde saía muito sangue e massa encefálica. Mas ele ainda respirava.

Esse seria apenas mais um triste acidente nas estradas brasileiras causado pela imprudência e pelo uso indevido do álcool (o motorista do caminhão havia bebido antes de pegar a estrada), mais um número nas estatísticas da violência do trânsito, não fosse um detalhe: aquele era Osmar Santos, o locutor esportivo brasileiro mais famoso e querido da época.

Aliás, nesse tempo ele era diretor de esportes do sistema Globo-CBN de rádio, narrador número um da equipe apresentadora de programas, o responsável pela venda de pelo menos 50% do espaço publicitário, era sócio e diretor de novos negócios de uma produtora de vídeo, a TVN, que tinha clientes como Telecurso 2º Grau, Bradesco e Mercedes Benz. Era ainda diretor, apresentador, ?vendedor? e a estrela principal de mais de dez horas semanais de programação da Rede Manchete de Televisão, que depois virou Rede TV.

Isso tudo sem contar as dez apresentações de festas e convenções de empresa que fazia em média todo mês, mais os comerciais que gravava. Houve um dia, em 1984, ano em que ele foi apresentador dos comícios das Diretas Já, que, dos três minutos de comerciais de um dos intervalos do Jornal Nacional (o mais caro da televisão brasileira), dois foram preenchidos com quatro comerciais de 30 segundos, em que ele aparecia vendendo barbeador, carro, apartamento e seu próprio programa de estréia na televisão: o Guerra dos Sexos, que era apresentado aos domingos à tarde. Enfim, um homem de grande sucesso, no auge de sua carreira.

Osmar, apesar de todas as dificuldades, sobreviveu ao acidente. E, a partir daquele Natal de 1994 houve o nascimento de um novo Osmar Santos, lutando para superar as seqüelas do acidente ? a perda do dom da voz, a paralisia do lado esquerdo do corpo e a falta de cinco por cento da massa encefálica.

Os mistérios da mente

Foi no cérebro de Osmar que aconteceu o mais ingrato dos castigos do acidente, fazendo com que ele tivesse a capacidade de se comunicar e de se locomover bastante comprometidas.

Uma das testemunhas da recuperação e da luta de Osmar é o doutor Moisés Cohen, responsável pelo tratamento de fisioterapia dele. Nas palavras de Cohen: ?Nós, os médicos, não podemos vender ilusões. Mas no caso dele, graças à sua perseverança, não podemos definir qual é o limite da melhora. O que podemos dizer é que ele está indo muito bem. Ele tem plena consciência de que sua vida se tornou um desafio constante. E enfrenta isso com bom humor e muita garra. Ele está perfeitamente adaptado às suas condições?.

Osmar recuperou amizades antigas e hoje tem uma agenda lotada de compromissos diários, que vão desde simples visitas até encontros comerciais com anunciantes da rádio Globo. Sente, demonstra prazer ao ser acarinhado, satisfação em fazer carinho e, o principal, descobriu novos prazeres, como a ópera e a pintura, que o ajudam a encarar a nova vida. Enfim, Osmar vive.

Disposto, confiante, se entregou de corpo e alma aos exercícios de recuperação diariamente. Voltou a freqüentar restaurantes, shows, teatro. Começou, ainda, a dar expediente na rádio Globo ? uma coisa da qual ele nunca abriu mão nos seus tempos de chefia e onde até hoje dá seus palpites na escala dos profissionais de cada jogo. Além disso, integrou-se novamente à TVN, sua produtora de vídeo.

A descoberta do traço perdido

A pintura entrou na vida de Osmar por sugestão da terapeuta ocupacional Cecília Biesemeyer. Ele começou a ter aulas em 1997 com Sílvio Deworeki, artista plástico. Sílvio não se surpreendeu com o talento de Osmar. Para ele, ?o ser humano nasce pintor. Só deixa de pintar quando é alfabetizado. Por isso, quando motivadas, as pessoas reencontram o que chamo de traço perdido?.

Como Osmar não consegue movimentar o braço e a mão direita, teve de virar canhoto à força. Por isso, pinta com os dedos da mão esquerda, misturando materiais como tintas à óleo, acrílica e até canetas hidrográficas sobre tela. Seu estilo é impressionismo abstrato, mas às vezes desenvolve o figurativo. Na opinião do amigo e publicitário João De Simoni, grande entusiasta da arte de Osmar: ?No Osmar, a pintura é o retrato de si mesmo e a própria proposição de felicidade. Suas cores são uma festa para os olhos. Sua pintura fala. Antes, falava fácil, como expressão maior do mundo da comunicação. Hoje, fala pelos dedos, pelas mãos que deslizam cores nas telas, impondo-nos sua visão alegre da vida?.

Foi De Simoni quem organizou a primeira exposição de Osmar. Arranjou para que Regina Botelho de Abreu Sampaio se tornasse sua marchand. E teve uma ajuda inesperada: João, o motorista, teve a idéia de propor que a Telefónica fizesse uma edição de cartões telefônicos ilustrados com quadros de Osmar. Foram dois milhões de cartões só na primeira edição. Com o trabalho de divulgação, montagem de outras exposições e participação em leilões, a pintura entrou definitivamente na vida de Osmar.

Porém, Osmar não parou por aí. Além de dar seus palpites na rádio e fazer visitas aos patrocinadores da equipe, ele tem uma coluna semanal no Jornal Agora. O nome da coluna é Ripa na Chulipa ? uma das expressões usadas por Osmar em suas narrações. Só para relembrar outras expressões imortalizadas por ele: ?pimba na gorduchinha?, ?por que parou ? parou por quê??, ?garotinho?, ?animaaaaaaal?, ?iiiii quiiiii goooooooool!!!!?.

Enfim, o ídolo que virou lenda, na verdade, tem uma vida com os mesmos problemas que qualquer outro mortal. Com um agravante: cada dia, para ele, é um desafio. O principal, ele já superou.

E como disse Pelé, o melhor e mais famoso jogador de futebol de todos os tempos: ?Deus lhe tirou o que lhe era mais precioso, mas o tornou imortal?. Essa é a lição que podemos tirar da vida de Osmar Santos: alguém que, mesmo perdendo seu maior dom, não se deixou abater. Isso sim é que pode ser chamado de sucesso.

Olho para a matéria: ?A história do rádio deve ser contada em dois capítulos: antes e depois do Osmar? ? Washington Olivetto

Frase: A vida é como tocar um violino em público e aprender sobre o instrumento ao mesmo tempo? ? Samuel Butler

Para saber mais: Extraído e adaptado do livro Osmar Santos ? O Milagre da Vida, de Paulo Matiussi (Sapienza). Este livro conta com riqueza de detalhes a trajetória de Osmar Santos ? tanto de sua história de grande sucesso na rádio e televisão brasileira (como o locutor mais consagrado e admirado do Brasil), bem como de sua luta para se recuperar do grave acidente sofrido em 1994. Contatos: [email protected].

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