O novo Corinthians

Como o timão voltou mais forte da crise Imagine que entrassem pessoas aos berros em sua empresa, torcendo pelo seu desempenho e delirando com cada meta atingida. O comportamento um tanto quanto inusitado é perfeitamente esperado quando o assunto é futebol. Segundo estudos, o momento do gol pode levar o torcedor ao ?eustress?, uma sensação de euforia típica desse tipo de esporte e que não se repete nem mesmo no nascimento de um filho. É justamente este o grande desafio de quem lucra com o esporte: levar emoção a seus fiéis torcedores.

Se o tema é fidelidade, nada mais adequado que analisar o planejamento de marketing do Corinthians durante 2008. Os torcedores do timão passaram por uma prova de fogo, que iniciou, especificamente, no dia 2 de dezembro de 2007 ? quando o clube empatou com o Grêmio e caiu para a série B do Campeonato Brasileiro. Iniciava ali o grande desafio do departamento de marketing.

O que para muitas empresas parecia o fim do mundo, para o Corinthians representou uma excelente oportunidade. ?A queda foi o momento mais importante da gestão. A gente tinha de assumir realmente que caiu e que precisaria de nosso maior patrimônio, a torcida, para reverter a situação?, explica Caio Campos, coordenador de marketing do grupo. Para isso, todo o planejamento foi reavaliado. ?A estratégia que a gente havia adotado para o Corinthians em 2007 dependia muito do resultado dos jogos?, relembra Campos. Entretanto, no ano passado, o departamento resolveu ouvir a torcida. Resultado? Um sucesso estrondoso que garantiu, além do sustento durante o ano todo, um significativo aumento da receita, que dobrou em relação a 2007, saltando para aproximadamente R$50 milhões.

Para Oliver Kawase Seitz, doutorando em indústria do futebol pela Universidade de Liverpool, Inglaterra, e primeiro brasileiro a lecionar sobre futebol na mesma universidade, o formato do futebol no Brasil pede ações de marketing menos focadas em jogadores e conquistas de campeonatos. ?Não tem como parar a exportação de talentos, pelo menos no curto prazo, o que faz com que seja necessário buscar outras formas de se relacionar com a torcida. Em vez de promover o ?ídolo jogador?, o clube pode promover a própria torcida ou outros elementos que não são possíveis de ser transferidos?, explica. O ideal, segundo ele, é que o time transmita a ideia de performance vinculada ?à raça e ao esforço da equipe em todos os jogos. Mais importante que oferecer a vitória à torcida é proporcionar algo que ela possa se orgulhar?, garante.

O Corinthians ousou ao fechar a contratação de Ronaldo, o ?Fenômeno?, ainda no fim de 2008. Logo que anunciou a transação, o timão colocou à disposição dos torcedores camisas com o nome do jogador e o tradicional número 9. Em apenas quatro horas, vendeu 40 unidades, sendo que cada torcedor pagou R$169,90 pelo produto.

Série B
Analisando friamente os retornos da série B ao Corinthians, é possível concluir que a queda foi benéfica para o clube. ?Por mais que não gere muito dinheiro, a segunda divisão implica custos consideravelmente inferiores?, constata Seitz, que é categórico em afirmar que isso não vale para todos, no longo prazo. ?Esse cenário é aplicável apenas a times de menor expressão. Clubes maiores, como o próprio Corinthians, conseguem se beneficiar a partir do momento que a estada na segunda divisão seja algo momentâneo. Caso a situação perdure, as coisas tendem a se complicar bastante?, diz.

O próprio coordenador de marketing do timão atesta que o rebaixamento teve pontos positivos. ?Não vou dizer que não. A gente teve um ano que demonstrou isso. O torcedor sempre compareceu aos estádios, mas é lógico que ele estava mais sensível ao momento do clube, até por um pouquinho de responsabilidade nossa, devido às campanhas que fizemos. Se o mote do ano inteiro chamava-se ?Eu nunca vou te abandonar?, ele não podia deixar de estar presente?, constata Campos.

Mesmo sem uma pesquisa comprobatória, o clube acredita que a torcida cresceu ao enfrentar a série B. ?A gente ainda não fez a pesquisa do número de torcedores, mas o que vimos foi um crescimento muito grande da receita. O envolvimento da torcida com produtos do clube também aumentou?, afirma. Outra prova de que o marketing corinthiano acertou em 2008 é que ele já está servindo de espelho. O presidente do Vasco, Roberto Dinamite, que este ano enfrentará o mesmo desafio vencido pelo timão, já declarou que seguirá os passos do rival para retornar à série A.

Influência do marketing
Para voltar à elite, os funcionários do time paulista criaram meios para ouvir a torcida e unir forças. ?Praticamente nada foi criado por marketeiros trancados em uma sala, a maioria veio da torcida para cá?, enfatiza Campos. A única sugestão que fugiu à regra foi a da camisa com fotos dos torcedores, um dos últimos lançamentos de 2008, que foi criada por Fernando Salles, da Agência Corinthians. O produto consistiu em uma edição limitada, na qual mil torcedores pagaram, cada um, mil reais para terem sua foto publicada na camisa. Essa versão foi utilizada no jogo contra o Avaí, o último disputado pela série B, e, posteriormente, distribuída aos ?fiéis patrocinadores?.

Ideias criativas como essa foram cruciais para que o Corinthians se reinventasse. A identidade e a tradição precisavam ser mantidas, mas o amor pela camisa foi revitalizado com a ajuda do público. ?A gente teve uma mudança, uma reviravolta de imagem. Saímos das páginas policiais para voltar às de esportes, marketing, negócios, etc.?, comemora o coordenador.

Formado em economia, Campos especializou-se em marketing e uniu ao currículo outras duas pós-graduações, administração e gestão esportiva. Quando questionado sobre a influência da crise financeira no mercado esportivo, ele explica que esse é um colapso ?nunca visto no mercado? e acredita que até mesmo os clubes sofrerão. ?A crise vai afetar a todos, até a nós, pois o investimento das empresas no futebol é essencial. O esporte, principalmente o futebol e, mais ainda, o Corinthians, é mais uma questão de paixão, envolvimento e entretenimento. Na hora da crise, as pessoas cortam vários gastos, mas a paixão continua?, afirma.

O que você pode aprender com o Corinthians

Analise
Após um ano na série B, o Corinthians traz na bagagem a experiência dos vários desafios que enfrentou. Por isso, Campos aconselha aqueles que estão passando por dificuldades a, assim como fez o clube, parar e analisar o trabalho que está sendo feito. ?É no momento da crise que a gente consegue saber e direcionar melhor as ações dentro de uma empresa, e em um clube de futebol não é diferente. É o momento em que você para e revê tudo aquilo que estava fazendo de errado. E quando sai dela, está mais fortalecido, porque aprendeu com os erros do passado?, garante.

Doe-se
Para Campos, situações delicadas exigem doação máxima. ?É o momento de apostar tudo e ver outras maneiras de realizar seus sonhos. A gente precisou deixar de ser simplesmente um clube de futebol para virar uma empresa de entretenimento e atender nossos 30 milhões de torcedores. Toda organização tem seus clientes e precisa tentar buscar o que ele está procurando no mercado e que ela ainda não deu?, revela.

Não relaxe
Outra boa dica é não relaxar na hora que o mau momento passar. ?Agora vem o mais difícil?, diz Campos, ao explicar que o clube terá de lutar por títulos que ainda não possui como o da Libertadores da América. O sonho é conquistá-lo para o ano de centenário, em 2010. ?O que a gente mais quer é trazer receita e fidelizar os torcedores que conseguimos buscar no ano passado. Isto é o mais difícil: consolidar. Será um trabalho muito grande de relacionamento com o cliente, pós-venda, atendimento e disponibilização de diferenciais para essas pessoas que, agora, já estão acostumadas a receber bons produtos do clube. Por isso, a dificuldade vai ser grande?, admite.

Fuja do óbvio
Neste ano, além de apostar na performance do grupo, a empresa pretende trabalhar na divulgação de alguns produtos como o mascote confeccionado por Ziraldo, que foi lançado no fim do ano passado, e o filme Fiel, dois produtos comandados por personalidades corinthianas. O clube também investirá no aumento dos postos de venda oficiais e almeja chegar à marca de 40 lojas ainda neste ano. A ideia é incluir pontos fora da capital como Santos, São José do Rio Preto e Londrina e Maringá, no Paraná.

Patrocínio
Na temporada de 2008, o clube também fechou uma parceria com a Medial Saúde. Para o Corinthians, a empresa foi perfeita àquele momento por apresentar amplitude nacional e uma gestão transparente. Já para a Medial, o acordo confirmou o compromisso dela com o esporte e a saúde. O contrato vigorou por um ano e não funcionou apenas nas estampas das camisas dos torcedores, visto que a Medial criou um plano exclusivo para os adeptos do Fiel Torcedor, que garantia, além da carteirinha e guia de orientação ao beneficiário personalizados, condições especiais de comercialização ? os corintianos tinham 10% de desconto sobre o valor da tabela vigente para os planos individuais e podiam pagar o primeiro ano através do próprio clube de futebol. Parte dos recursos provenientes desse plano foi revertido para o timão durante o ano.

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