VocĂȘ pode se dirigir diariamente ao seu trabalho com motivação e disposição, desde que tenha descoberto um verdadeiro e digno sentido para ele e para os momentos que o compĂ”em. Um amigo meu defende a posição de que, se perguntĂĄssemos a cada trabalhador, independente do nĂvel hierĂĄrquico: ?Por que vocĂȘ trabalha??, a resposta seria unĂąnime: ?Porque preciso ganhar dinheiro?. Eu tenho dĂșvidas sobre essa unanimidade e, por isso, gostaria de propor algumas reflexĂ”es sobre a questĂŁo.
Em algum lugar, li ou ouvi que hoje as pessoas vivem a ?sĂndrome da pressa?. Todos correm para algum lugar. A mim, me parece que correm para lugar algum. Uma pessoa sai de casa para assistir a um filme ou peça de teatro. E a sua ansiedade em chegar lĂĄ Ă© tanta que sai pelas ruas correndo feito um louco, tentando atalhos, ultrapassando quem estiver mais lento, Ă s vezes arriscando cruzar um farol vermelho. Chega suado, esbaforido e, por tentar burlar a fila de ingressos, ainda arruma uma discussĂŁo aqui, um bate-boca ali.
Eu fico me perguntando o seguinte: por melhor que seja o filme ou a peça Ă qual finalmente ele assistirĂĄ, terĂĄ valido a pena o esforço excessivo, os riscos e os desgastes fĂsicos e emocionais?
Acho que essa ?sĂndrome da pressa? estĂĄ existindo porque muita gente anda confundindo ou nĂŁo percebendo o verdadeiro sentido dos momentos que constituem a vida.
A vida (e aqui falo no sentido mais amplo possĂvel) Ă© constituĂda por uma sĂ©rie de eventos que se sucedem e se completam. NĂŁo se vive a vida aos solavancos nem em capĂtulos. NĂŁo se pode ?pular? um pedaço do ?filme? da vida, como fazemos Ă s vezes com os DVDs. NĂŁo hĂĄ um ?controle remoto existencial? e portanto, nĂŁo dĂĄ para acelerar o ritmo natural das coisas. Vive-se em absoluta e rigorosa seqĂŒĂȘncia, constituĂda de momentos contĂnuos.
Ora, se uma pessoa sai de casa para ir ao cinema, não pode pretender esquecer, desconsiderar ou apagar o tempo de duração e as condiçÔes do trajeto. à simples assim: sem vivenciar e concluir o trajeto, ninguém conseguirå chegar a lugar algum.
Justamente aqui chego ao X da questĂŁo: se a pessoa terĂĄ que necessariamente conviver com esse momento do trajeto, por que deixar que ele se transforme num tormento, numa tortura, num aborrecimento? Por que nĂŁo curti-lo de forma descontraĂda e divertida? Cada segundo, minuto, hora, centĂmetro, metro ou quilĂŽmetro que nos separam do ?ponto de chegada? fazem parte da nossa vida, do nosso presente, da nossa histĂłria e nĂŁo podem ser desprezados nem excluĂdos.
Inclusive, muitas vezes, com alguma sorte e criatividade, os trajetos da vida podem ser muito mais gratificantes e prazerosos que o destino inicial. A festa poderĂĄ ser chata, o filme, idem, a peça um fiasco, nosso time pode perder o jogo de goleada, pode desabar o maior torĂł na praia, mas nada disso nos aborrecerĂĄ se, por exemplo, ao longo do trajeto, tivermos tido uma excelente companhia, uma pessoa amiga, agradĂĄvel, divertida, sensĂvel e inteligente. Ou se tivermos tido a oportunidade de conhecer lugares lindos, interessantes, originais, aconchegantes e que atĂ© entĂŁo nĂŁo havĂamos percebido.
De repente, o espetåculo principal pode virar mero ?pano de fundo? para um espetåculo mais maravilhoso ainda. Quem jå não passou por situação semelhante? Quem jå não ouviu alguém comentar: ?olha, a viagem teria sido um enorme fracasso se não fosse pelo fato de que fiz novas e maravilhosas amizades??
Ou seja: por alguma razĂŁo, seu passeio adquiriu novo e positivo sentido. Isso pode acontecer com vocĂȘ, se vocĂȘ se mantiver receptivo e atento ao que acontece Ă sua volta, Ă s oportunidades inesperadas que a vida pode lhe proporcionar. Se vocĂȘ souber e quiser dar ao seu trajeto um sentido tambĂ©m de descobertas, divertimento e prazer, ao invĂ©s de ficar obcecado em atingir o ?ponto de chegada?.
Agora estĂĄ na hora de falar de trabalho e jĂĄ vou direto ao assunto. Se vocĂȘs entenderam bem minha analogia do ?trajeto?, entĂŁo permitam-me propor: por que nĂŁo considerar o trabalho diĂĄrio como um dos grandes trajetos da sua vida? Nessa proposta, o ?ponto de chegada? se chama realização. E o percurso pelas ruas, avenidas, no ĂŽnibus ou no metrĂŽ e tudo o mais, Ă© o cotidiano profissional, o expediente diĂĄrio. A diferença Ă© que este trajeto existencial, ao contrĂĄrio do outro, tem um tempo de duração maior. Este trajeto nĂŁo acaba no fim da tarde. Pode durar um ano, cinco, dez, vinte, trinta anos… Pode ir atĂ© Ă aposentadoria.
Pois muito bem, agora reflitamos: que sentido a vida de um indivĂduo terĂĄ se ele se permitir que esse ?trajeto? seja percorrido com angĂșstias, temores, inseguranças, tristezas e ressentimentos? Por que nĂŁo percorrĂȘ-lo com alegria, otimismo, entusiasmo, perseverança, sonhos? Claro, acidentes de percursos podem acontecer em qualquer dos dois ?trajetos?: um sujeito pode ser atropelado ao dirigir-se a um cinema ou pode ser demitido apĂłs seis meses de trabalho. Mas ninguĂ©m conta com isso, nem espera por isso, desde que esteja fazendo o melhor, com atenção e zelo.
Este Ă© o ponto a que quero chegar: todo ser humano dispĂ”e de livre arbĂtrio para agir como quiser, o que faz com que comportamento seja uma decisĂŁo pessoal. Se vocĂȘ gritar com um colega porque ele gritou consigo, ele terĂĄ decidido por vocĂȘ como vocĂȘ deveria comportar-se e isso ninguĂ©m no mundo deve permitir que aconteça. Se um colega gritar consigo, vocĂȘ decide o que fazer: pode gritar tambĂ©m ou pode calmamente afastar-se dele. Mas Ă© vocĂȘ quem decide. Dentro dessa Ăłtica, vocĂȘ tambĂ©m decidirĂĄ se vai passar o dia inteiro reclamando, de mau humor ou entusiasmadamente buscando e propondo soluçÔes e melhorias. Ă vocĂȘ quem decide.
NĂŁo existem empresas, chefes, nem funcionĂĄrios perfeitos, porque a base de tudo Ă© o ser humano e este, por essĂȘncia e natureza, Ă© imperfeito. Portanto, crises e conflitos interpessoais (com ou sem gritos) hĂĄ onde existirem a partir de duas criaturas. Mas quem souber utilizar corretamente o livre arbĂtrio, o bom senso, a paciĂȘncia, a autonomia sobre seu prĂłprio comportamento e a habilidade de descobrir o lado bom, positivo e divertido do trabalho, dando-lhe um novo e digno sentido, poderĂĄ cumprir todo o ?trajeto? de forma a manter inabalĂĄvel seu bem estar. E assim trabalharĂĄ com gosto, porque cada dia serĂĄ um passo adiante no ?grande trajeto?, que Ă© a prĂłpria carreira e a prĂłpria vida.
Acredito firmemente na possibilidade de um profissional dirigir-se diariamente ao seu local de trabalho com motivação e disposição. Porque ele sabe que vai aprender, ensinar, encontrar amigos, sentir-se Ăștil, superar obstĂĄculos, vencer desafios, juntar-se a uma equipe que o admira ? e porque sabe que tem possibilidade de vencer. E, claro, tambĂ©m porque vai ganhar dinheiro.
Quem quiser, poderå tornar esse o verdadeiro sentido do seu trabalho ou dos momentos diårios que o constituem. O que poderå promover significativas mudanças também no sentido da sua vida. Para melhor, acredite.