Protelar a morte é algo que dá trabalho

Você se lembra daquela frase do Isaac Newton, que disse que se enxergou longe foi porque subiu no ombro de gigantes?

Preparando este editorial, passei algumas horas relendo a carta anual do Jeff Bezos na sua despedida como CEO da Amazon e também revendo os comentários de Warren Buffett e de Charlie Munger, seu sócio, na assembleia anual dos acionistas da Berkshire Hathaway. Cada um deles, da sua maneira, gigante no mundo corporativo, e com reflexões que fazem muito sentido nos debates sobre indicadores de performance que vamos promover no ciclo de conteúdos que abrimos com esta revista.

Por isso mesmo, queria destacar alguns pontos que achei interessantes ao longo dessa minha viagem no ombro de gigantes.

Começando pelo Bezos e a energia necessária para ser diferente (e não morrer)…

Jeff Bezos

Os indicadores da vida

Na sua última carta anual como CEO da Amazon aos acionistas da empresa, Jeff Bezos citou Richard Dawkins, biologista, dizendo:

“Protelar a morte é algo que demanda trabalho.

Deixado por si só – e é isso que acontece quando morre – o corpo tende a reverter a um estado de equilíbrio com o meio-ambiente.

Se você medir algum indicador, como temperatura, acidez, umidade ou carga elétrica de um corpo vivo, verá que ele é marcadamente diferente dos mesmos indicadores correspondentes no meio-ambiente ao seu redor.

Nossos corpos, por exemplo, geralmente são mais quentes do que o meio-ambiente e em climas frios precisam trabalhar duro para manter a diferença.

Quando morremos esse trabalho termina, a diferença de temperatura desaparece e terminamos na mesma temperatura do ambiente à nossa volta.

Nem todos os animais trabalham tão duro para evitar ficar na mesma temperatura do ambiente, mas todos os animais fazem pelo menos algum tipo de força para isso. Por exemplo, num local seco, animais e plantas trabalham para manter líquidos nas suas células, trabalhando contra a tendência natural de a água fluir deles para o mundo seco externo.

De maneira mais geral, se seres vivos não trabalhassem para ativamente prevenir isso, eles eventualmente se fundiriam com o ambiente, deixando de existir como seres autônomos.

Isso é o que acontece quando você morre.”

Note como ele fala da diferença nos indicadores: seres vivos têm sempre indicadores diferentes dos indicadores do meio-ambiente. Se fossem todos iguais… estariam mortos.

Embora Dawkins esteja falando de seres vivos e ecossistemas, Bezos usa a metáfora para o mundo empresarial, mais especificamente sobre a questão da diferenciação.

“De que formas o mundo puxa você para a normalidade? Quanto trabalho dá ser diferente, manter vivo a coisa (ou as coisas) que fazem de você especial?

Esse fenômeno acontece, inclusive, em escala.

Democracias, por exemplo, não são normais. A tirania é o normal histórico. Se pararmos de fazer todo o trabalho duro exigido para mantermos a diferença em relação ao normal histórico, podemos facilmente voltar ao equilíbrio com o ‘normal’ da tirania.

Todos sabemos que a diferenciação – a originalidade – é valiosa. Sempre nos ensinam a sermos nós mesmos.

O que estou pedindo é que você entenda, aceite e seja realista sobre a quantidade de energia que ser diferente exige. O mundo quer que você seja típico, normal, igual, em mil coisas, de mil maneiras. Não deixe isso acontecer.

Você precisa pagar o preço pela diferenciação – vale a pena.

O conto de fadas é que, ao ser você mesmo, único, toda a dor some ao você deixar seu brilho aparecer.

Essa versão é enganadora.

Ser você mesmo vale a pena, mas não ache que vai ser fácil, ou grátis. Você precisa investir energia nisso continuamente.

O mundo vai sempre tentar fazer com que a Amazon seja mais normal, mais comum, mais típica. Vai tentar nos levar ao equilíbrio com o normal, com o ambiente. Manter-nos diferentes será um esforço contínuo, mas podemos e precisamos ser melhores.”

A vida e as vendas

Vejo muitas semelhanças entre esse processo e os resultados em vendas: se uma empresa vende bem quando o mercado está bem (e todos os concorrentes vendendo bem também), mas vende mal/pouco quando o mercado está mal também, ela é realmente diferente? Ou é apenas uma bóia, que sobe quando o mercado sobe e desce quando o mercado desce? Ela está viva de verdade?

Quando eu era diretor do Small Giants nos Estados Unidos e visitávamos empresas que fazem sua gestão baseada em valores, sempre falei nas visitas técnicas que as paredes de uma empresa falam.

Empresas realmente diferentes aproveitam todos os momentos para reforçar – internamente e externamente – sua missão, seus valores, seus diferenciais. Inclusive indicadores de performance! É raríssimo uma empresa bem-sucedida não ter um painel de resultados com indicadores claramente disponível (e atualizado!). Tão raro, aliás, que, dentre as que visitei, eu não consigo me lembrar de uma sequer…

Em paralelo, existe um conceito no Zen Budismo que é o de mente de iniciante, para você sempre estar aberto ao aprendizado, à melhoria, a não se acomodar e, principalmente, a se manter humilde mesmo perante o sucesso.

Caso exemplar disso foi o de Jigoro Kano, fundador do Judô (a arte marcial), que ao morrer pediu de maneira humilde aos discípulos para ser enterrado com a faixa branca, faixa mais baixa de todas e símbolo de iniciante no esporte.

Depois da base, a execução

Empresas de alta performance são muito constantes na entrega de resultados. Jim Collins chama isso de ‘a marcha de 20 milhas’. Não interessa se chove ou se faz sol, todos os dias marchamos 20 milhas.

Não interessa se o mercado está aquecido ou não, se os concorrentes estão agressivos ou não, se o mês passado foi excelente ou não. Entregamos o que foi planejado, fazemos o que dissemos que faríamos.

A verdade é que pessoas e empresas de sucesso de verdade são muito focadas em execução. Planejam bem, executam melhor ainda e depois revisam para melhorar. Faixa branca no pensamento, faixa preta na execução.

São os indicadores que nos mostram se estamos indo no caminho certo, na velocidade certa, para onde realmente queremos ir. Principalmente, são o caminho do Kaizen, da melhoria contínua: hoje melhor do que ontem. Amanhã melhor do que hoje. Não pode existir acomodação para quem trabalha corretamente com indicadores.

Podemos encarar o sucesso empresarial e de vendas como a busca do desequilíbrio com o meio ambiente, e não um reflexo dele.

Precisamos de indicadores de performance nessa jornada. São nossa bússola. Mas, para isso, precisam ser usados de maneira estratégica. Sim, tem seu risco e tem seu custo. Mas lembre que o oposto disso é a mesmice e a lenta acomodação em direção à morte.

A mesma coisa acontece com quem trabalha sem indicadores: acaba sendo sugado e moldado pelo meio, numa atitude passiva de conformidade e mesmice. Em equilíbrio com o meio, igual a todos, sem se diferenciar.

Não é o que queremos para você aqui na VendaMais.

Confiantes, mas humildes. Competentes, mas com mente de iniciante. Firmes no propósito, mas ágeis na estratégia, mostrando ao mundo nossos diferenciais e o valor que agregamos, através de nossos produtos, serviços e soluções, aos clientes e à sociedade. Faixa branca no pensamento, faixa preta na execução. Só dá para fazer isso com indicadores de performance.

Abraços diferenciados,

Raul Candeloro
Diretor

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