Relacionamento com revendedores

A raiz dos problemas de relacionamento entre a indústria e o comércio está no hábito da indústria encarar as lojas como compradoras e do varejo encarar as indústrias como fornecedores. Ao longo do último 30 anos conheci, por dentro, mais de uma centena de empresas industriais, entre médias e muito grandes, cuja produção é escoada através do varejo. Em seu relacionamento com a revenda, a palavra mais mencionada é “amizade”.

No entanto, o que mais encontrei foram sentimentos de grave ressentimento recíproco. Um dos exemplos mais dramáticos que registrei data da década de 80. Eu conduzia uma apresentação sobre a tecnologia de desenvolvimento de revendedores para um grupo de altos executivos de vendas de empresas líderes de mercado em várias categorias de produtos de consumo.

Essa apresentação continha a idéia de que as empresas industriais precisavam mudar o enfoque de seu relacionamento com os revendedores, para sair e uma postura vendedor X comprador e chegar a uma postura vendedor + vendedor, encarando e tratando os revendedores de seus produtos não como “compradores” desses produtos, mas como os legítimos “vendedores” desses produtos, o que, na realidade, eles são.

Ao término da reunião, um dos gerentes presentes comentou que se conseguissem implantar em sua empresa apenas essa idéia básica, já seria um grande progresso. Lamentou que, em sua empresa, a ótica ainda não era a de um relacionamento vendedor X comprador, mas a de um embate malandro X toupeira.

Não era piada. A empresa, até então, encarava os lojistas (revendedores varejistas) como “toupeiras” a serem enganadas por um vendedor “malandro”. Os dedos de muitas mãos são insuficientes para contar as empresas que, ainda hoje, pensam assim.

A raiz dos problemas de relacionamento entre a indústria e o comércio só pode ser encontrada nos primórdios da revolução industrial e no hábito formado, a partir de então, pela indústria, de encarar e tratar as lojas como compradoras de seus produtos; e pelo varejo, de encarar e tratar as indústrias como fornecedores eventuais.

É tão fácil explicar quanto entender. As primeiras indústrias encontraram à sua disposição um mercado consumidor ávido e carente que, ao longo de séculos vinha sendo atendido de alguma forma pelas lojas e feiras existentes, com produtos naturais e artesanais, recolhidos a duras penas pelas grandes corporações comerciais (atacadistas), nos quatro cantos do mundo.

As primeiras fábricas, ao abrirem suas portas, encontraram esperando na calçada os compradores dessas grandes empresas atacadistas, dispostos a pagar adiantado pela reserva de toda sua produção. Elas não tinham nenhum contato com o comércio varejista e muito menos com o mercado consumidor.

Só muito mais tarde, na medida em que novos fabricantes entravam no mercado e na medida em que a “fidelidade” dos distribuidores atacadistas começava a se diluir foi que elas organizaram suas primeiras equipes de “caixeiros viajantes”, encarregados de acessar diretamente as lojas (varejistas) para descarregar seus encalhes.

Até o fim da década de 50, as indústrias chamavam o comércio de “mercado” e os comerciantes de “clientes”(fazem isso até hoje). Elas concentravam todo seu esforço para vender para as lojas, entulhando seus estoques sempre que isso fosse possível. Se as lojas conseguiam ou não vender os produtos da indústria para os consumidores, era problema delas.

A declaração a seguir, feita por um editor norte-americano, foi extraída de uma reportagem publicada nos Estados Unidos: “O mais comum é que, se um produto não sai, o azar é do varejista. Mas no nosso ramo o azar é da editora”.

Sempre que tenho contato com uma indústria de proa, pergunto: “Vocês vendem para as lojas ou através das lojas?”. A maioria responde que vende através das lojas, mas o gerente nacional de vendas de uma empresa líder mundial em seu segmento de atividade me respondeu, pego de surpresa: “Não! Eu só vendo para os atacadistas”. E o gerente de treinamento de vendas de uma empresa líder mundial em um segmento de produtos alimentícios perguntou: “O que você chama de revendedor?”.

Minha pergunta é o contrário dessa: “Por que as indústrias chamam de clientes as organizações que vendem os seus produtos?”. Eu sei que é por força do hábito. Mas também sei que, por força do hábito, elas encaram e tratam essas organizações como “compradoras” e não como “vendedoras” de seus produtos. Elas pressionam essas organizações para “comprar” seus produtos; não para vendê-los. Enquanto têm posição para isso, forçam pedidos; quando não têm posição, seja porque não são líderes, seja porque o “cliente” do outro lado da mesa não é um pequeno lojista mas uma grande rede, pedem e até imploram pedidos.

Algumas empresas organizaram áreas de trade Marketing que estão mais ocupadas em fazer o marketing de vendas para o revendedor do que o marketing de vendas do revendedor. Muitas empresas montaram estruturas poderosas de promoção, para amparar as vendas de seus produtos dentro das lojas, ajudando o revendedor a vender. Poucas se dão conta de que os esforços promocionais “doados” ao revendedor não têm efeito sobre a melhoria da capacidade de revenda dos revendedores ou sobre sua motivação para manter esses esforços a longo prazo. O mais comum é que tão logo cessem os esforços da indústria, cessem seus resultados.

Os ressentimentos, de um lado e de outro, vão se acumulando. Mas é necessário e possível reformular esse quadro através de um trabalho bem orientado de construção de “alianças” firmes e permanentes entre os fabricantes de produtos e os revendedores desses produtos.

Isso deveria ser um processo natural. Só não é, ainda, porque nenhum esforço concentrado, bem orientado e sistemático foi feito para isso. A indústria pode desenvolver e aprimorar seus esforços de trade marketing para, sistematicamente, orientar, apoiar e estimular o incremento da presença, divulgação, exposição, demonstração, oferta e vendas de seus produtos nos pontos de revenda, capazes de, a médio e longo prazos, fazer de cada revendedor um profissional melhor.

Mas precisa, ao mesmo tempo, libertar-se dos vícios de origem. Parar de chamar seus revendedores de “clientes” seria um bom começo. Parar de chamar as transferências de estoques de mercadorias para os revendedores de “venda” seria essencial.

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