RICARDO VARGAS

Palestrante e consultor internacional, formado em Psicologia Social pela Universidade de Lisboa, presidente da TMI Brasil e sócio da TMI International… Palestrante e consultor internacional, formado em Psicologia Social pela Universidade de Lisboa, presidente da TMI Brasil e sócio da TMI International ? fundada pelo papa da administração Claus Möller ?, Ricardo Vargas diz, através de uma teoria polêmica, que todo líder precisa se tornar ?inútil?, fazendo com que sobre tempo no seu dia-a-dia para pensar nas estratégias do seu empreendimento.

Em um dos capítulos de seu livro, você afirma ?A Liderança Não Existe?. O que isso quer dizer?
As abordagens tradicionais à liderança seguem em duas linhas distintas: ou o líder nasce ou o líder se faz. Isto significa que para os seguidores da primeira, a liderança é uma questão de carácter, carisma, personalidade, características intrínsecas da pessoa. Já para os seguidores da segunda, a liderança seria um conjunto de comportamentos, ações e atitudes que a pessoa poderia adquirir por meio de treinamento ou experiência adequados. Então você vê abordagens que defendem que existem x estilos, y hábitos, n pilares e z características da liderança. No fundo todas essas abordagens podem ser relacionadas com uma das duas linhas de pensamento tradicionais da liderança.

Eu defendo que ambas estão erradas. Ao se centrarem apenas no papel do líder como causa do sucesso da equipe, esquecem os fatos mais óbvios: você só pode ser líder se tiver seguidores, e as pessoas só o seguem se isso for interessante para elas. A equipe determina tanto quanto o líder os bons resultados da empresa. Você não pode liderar contra a vontade alheia.

A minha abordagem é inovadora neste aspecto: a liderança não deve ser procurada dentro da cabeça do líder como pressupõem as abordagens anteriores, mas sim na relação. A liderança é uma qualidade da relação, que deve ser construída por líder e equipe. Sendo a relação um processo em constante mudança e desenvolvimento, a liderança também é uma característica da relação que por vezes existe por vezes não. Você só é líder se a sua equipe o afirma.

O título do primeiro capítulo do meu livro é exatamente uma provocação para que procuremos a liderança no local certo, a relação estabelecida entre líder e equipe, em vez de nos centrarmos apenas na figura do líder. Ao invés de mudar o seu estilo ou procurar adquirir características que não são habituais em si, defendo uma abordagem mais simples e eficaz: “Seja você mesmo, fazendo as coisas certas”.

Um líder e um gestor são iguais?
O papel do gestor é gerir. Isso implica atribuição de recursos para atingir resultados: planejamento, monitoração e controle. O gestor se foca em atingir os resultados que são necessários hoje. Trabalha com o conhecimento dos recursos e tecnologia disponíveis e procura atingir os números que agradem aos acionistas. O gestor trabalha com certezas, aplicando procedimentos conhecidos.

O papel do líder é liderar. Isso implica a geração de recursos para atingir resultados: visão, motivação e envolvimento. O líder se foca em atingir os resultados que são necessários amanhã. Trabalha no desconhecimento ou na falta dos recursos e tecnologia necessários e procura atingir uma visão que agrade a todos os intervenientes no processo. O líder trabalha com mudança e incerteza, preparando a sua equipe para o amanhã.

Por vezes os gestores também são líderes, por vezes não. O que eu proponho no meu livro é uma metodologia simples e eficaz para que qualquer gestor possa trabalhar com a sua equipe cumprindo os papéis do líder. Estes são três: aperceber-se das pequenas mudanças o mais cedo possível e assinalá-las à sua equipe para que se prepare, criar um contexto de desenvolvimento na equipe, e orientar o desenvolvimento dos membros da equipe para que lidem melhor com as mudanças no mercado.

Para que o gestor seja capaz de o conseguir, compartilho no livro metodologias que já foram aplicadas por milhares de pessoas com sucesso. Estas procuram estruturar a gestão da responsabilidade, da ética e da competência da equipe. Se o gestor implementar estas metodologias no seu trabalho cotidiano, é muito provável que a liderança “aconteça”, isto é, que a relação estabelecida com a equipe tenha a qualidade que chamo liderança.

Em seu livro – A Arte de Tornar-se Inútil ? você discute a polêmica questão ?liderar depende de ser útil ou do quão inútil você está disposto a ser??. Quais são suas principais conclusões a respeito do princípio da inutilidade?
A figura do líder é demasiada endeusada. Habitualmente pensa-se que ele é a pessoa que centraliza todos os processos e responsabilidades, garantido pessoalmente que as coisas são feitas. Que sem ele nada acontece e que por isso tem que estar sempre empurrando para que os resultados apareçam. Mas não é bem assim. Se você procurar controlar diretamente tudo o que se passa acaba se tornando mais um operacional do que um líder.

Para desenvolver a liderança na relação com os seus colaboradores você deve antes de mais nada adquirir uma atitude diferente: querer autonomizar a sua equipe, para que ela seja cada vez mais eficaz e eficiente, gerando resultados melhores. Não autonomizar significa não desenvolver, e não desenvolver significa maus resultados.

O conceito de inutilidade que exponho no livro é uma provocação. É claro que o líder não pode ser inútil à organização. A ideia é que ele se torne inútil na execução do operacional da sua equipe para poder se tornar mais útil fazendo o que só ele pode fazer: desenvolver as pessoas para que estas sejam melhores profissionais.

Há ainda uma outra questão. Eu digo “tornar-se” inútil. Não se trata simplesmente de ser inútil (já há demasiadas pessoas inúteis por aí), mas de aprender os processos que levam um bom profissional de gestão a tornar-se líder: os processos de gestão da responsabilidade, da ética e da competência da sua equipe.

Dentro do processo baseado na arte de tornar-se inútil, como fazer para que esse conceito produza efeitos também nas equipes, as quais devem formar líderes e aos poucos desvincularem-se do operacional?
Para que a liderança aconteça, a natureza da relação entre o gestor e a sua equipe deve adquirir determinadas características. Isso significa que ele deve trabalhar a relação de acordo com processos estruturados, garantindo uma correta gestão da responsabilidade, ética e competência da sua equipe. Se o gestor fizer isso ele estará promovendo simultaneamente a sua liderança e a autonomização da equipe, que progressivamente realiza as tarefas e processos de forma autônoma. Ser líder e autonomizar a equipe são resultados do mesmo processo. Não podemos obter um sem o outro.

Todos sabemos das dificuldades naturais enfrentadas pelos líderes quando o assunto é ?delegar?. Sendo este um elemento fundamental para a implantação das idéias propostas por sua teoria, quais são as dicas para um líder delegar de forma eficaz e segura?
Muitas pessoas não delegam porque não sabem qual a melhor forma de o fazer. Por isso, cada vez que delegam, a quantidade de problemas que acontecem é grande e convence-as que o melhor é não delegar e fazerem elas mesmas as tarefas. É importante analisar a forma como delegamos para garantir que não somos nós mesmos que estamos a criar problemas à equipe. Como a delegação está muito identificada com a simples atribuição de tarefas a outras pessoas, eu prefiro falar do processo de transferência de responsabilidade.

No meu livro compartilho um processo detalhado, que garante que a responsabilidade é assumida pela pessoa que realizará a tarefa. Isto passa por 4 tarefas: identificar, assumir, atribuir e autorizar. Muitas responsabilidades estão difusas na empresa, e por não estarem claramente identificadas, quando são atribuídas a alguém essas pessoas não consegue realizar a tarefa adequadamente simplesmente porque não tem a informação toda. Outras vezes é a autorização que falta: a pessoa recebe a responsabilidade e assume-a, mas não tem qualquer margem de autonomia para decidir aspectos importantes durante a realização da tarefa. Isto leva habitualmente a problemas graves.

Mas há ainda outra razão para que o gestor não delegue: não querer fazê-lo, isto é, ter uma atitude errada face à responsabilização dos colaboradores. Neste caso é preciso identificar os ganhos potenciais de responsabilizar e autonomizar os colaboradores. A libertação de tempo para poder focar-se em tarefas mais estratégicas e no seu próprio desenvolvimento profissional é em geral um incentivo muito grande à delegação. No entanto, por razões de insegurança e falta de visão de futuro muitos gestores não conseguem libertar-se de atitudes negativas face à delegação.

A falta de competência e a atitude negativa são razões diferentes que se opõem à delegação, e que devem ser trabalhadas de forma diferente.

Se analisarmos uma pirâmide de liderança que segue este princípio, não corremos o risco de encontrar muitos líderes e poucas pessoas trabalhando no operacional?
Não podemos esquecer que há uma entidade que regula todo o funcionamento da empresa: o mercado. Se adotarmos estratégias que não sejam eficazes, o mercado vai-nos corrigir. Por isso eu digo que o meu livro é sobre liderança em contexto empresarial. Ele não serve para líderes em contexto político ou religioso. É uma abordagem que nasceu em empresas e para empresas. Isto significa que o líder deve estar sempre de olho nos objetivos empresariais.

Todo o desenvolvimento da equipe deve ser orientado para as áreas que são estratégicas para a empresa. A ideia não é as pessoas simplesmente se libertarem de tarefas e responsabilidades, é gerirem melhor a sua atividade dedicando mais tempo ao que é estratégico para a empresa e menos tempo ao que é operacional. Seguindo os processos que criei, a equipe e o líder encontrarão naturalmente um equilíbrio adequado às suas competências e necessidades, sempre tendo como orientação os objectivos da empresa. As pessoas são diferentes e sempre haverá umas com maior apetência e capacidade para o estratégico do que outras.

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