Será que, distante da teoria, o cenário empresarial brasileiro investe, verdadeiramente, em sustentabilidade?
Em tempos de crise financeira e ambiental, a palavra sustentabilidade se tornou ainda mais popular no mercado. Práticas sustentáveis podem oferecer muito ao ecossistema e ao seu bolso. Mas será que, distante da teoria, o cenário empresarial brasileiro investe, verdadeiramente, em sustentabilidade?
Nos dicionários, é fácil traduzir o termo: “qualidade ou condição do que é sustentável”. Ou ainda: “modelo de sistemas que tem condições para manter ou conservar o planeta”. A transição que vivenciamos para a chamada economia verde traz à luz uma série de questões que causam impacto – e não é de hoje – na Terra, como aquecimento global, necessidade de redução da emissão de CO2, desmatamento e falta de água. As mudanças abruptas climáticas nos últimos tempos nos atentam, com urgência, para o fato de que o planeta está precisando da nossa ajuda e nos induzem a responsabilidades ambientais que, agora, carregamos para ajustar a casa que também será de nossos filhos e netos. Afinal, em que condições qualquer ser vivo poderá ter nas próximas décadas?
Embora o assunto exija sérios e profundos questionamentos que movimentem todas as esferas da sociedade – governo, civis, academias, ambientalistas e diplomacia – a fim de reciclar antigos modelos de gestão que provaram já estarem arcaicos, a sustentabilidade tem sido, frequentemente, um tema da moda, sem bases filosóficas ou técnicas, utilizado por muitas empresas como maquiagem para subir nos índices de vendas de mercado.
Essa é opinião do fundador e ex-presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, Fernando Almeida, também escritor de vários livros sobre os desafios que envolvem a sustentabilidade. A sua obra mais recente é a "Desenvolvimento Sustentável 2012-2050 – Visão, Rumos e Contradições", publicada pela Editora Campus/Elsevier, e que agrega diferentes pontos de vista de inúmeros entrevistados.
“A economia verde caminha na contramão das práticas das empresas que competem por preço e não por qualidade, buscando reduzir, ao máximo, os gastos para a obtenção de materiais fornecidos pela natureza e na contratação de trabalho humano. Isso inviabilizará padrões sustentáveis de produção e consumo”, explica.
Padrões e níveis de consumo globais são estimulados pelo crescimento da população que, até 2050, deve chegar a 9 bilhões de pessoas. O consumo atual já degradou 60% dos serviços dos ecossistemas nos últimos 50 anos. A WWW – World WildLife Fund – aponta que o consumo de recursos naturais pelos seres humanos representa 125% do que o planeta é capaz de suportar, e chegará a 170% em 2040. “Uma década depois, a estimativa é de que a população do mundo se estabilize e que haja um corte nos recursos naturais, além da situação climática, que estará bem pior”, afirma.
A crise financeira global que explodiu nos EUA, em 2008, e alastrou-se por todos os continentes nos ensinou duas lições, de acordo com o escritor. Em primeiro, a confirmação do esgotamento do modelo de desenvolvimento tradicional, predador dos ecossistemas e socialmente injusto. “A utilização da energia convencional à base de óleo diesel e carvão, por exemplo, só vai induzir à mudança do clima. As energias mais limpas como a eólica e a solar são mais baratas para as empresas e ecologicamente corretas".
E, em segundo, nenhum país ficou imune ao vendaval de crise econômica e, do mesmo modo que o brusco corte do crédito contaminou a economia em todo planeta, a saída para vencer a própria crise financeira e os dramáticos desafios ambientais e sociais passará por uma necessária articulação de lideranças globais, alerta Almeida.
O autor ressalta que também há a necessidade de mecanismos que estimulem a transparência de informações, pois, desta forma, não estaríamos testemunhando o estrago que empurra milhões de famílias para o drama do desemprego e produz uma nova onda de xenofobia e intolerância.
"Apesar de raras exceções, falta política pública e empresas preparadas para lidar com o meio ambiente. Uma empresa sustentável seria uma instituição que tivesse o lucro necessário para sua sobrevivência, para pagar seus investidores, e que parte destes lucros fossem direcionados a investimentos extramuros na melhoria do entorno (social/corporativa), com oportunidade para gerar negócios, controle de emissão de CO2, melhoria da água, entre outras questões".
Segundo Almeida, para participar ativamente do assunto e ser mais lucrativa e sustentável, as empresas têm de mudar seu modelo de negócios, em todos os níveis, ressaltando que o maior incentivador – e quem obterá o maior retorno – será o CEO. É necessário, também, traçar uma métrica quantitativa e qualitativa das atividades propostas, com base filosófica, prática e percepção de risco, além de não temer possíveis fracassos. "O Estado deve estar preparado para apoiar os envolvidos. E, obviamente, as empresas devem divulgar de forma honesta e íntegra seus investimentos em prol da sustentabilidade, para que todos os seus sucessos possam ser replicados e servir de modelo aos demais", finaliza o autor.
E sua empresa, o que faz pelo ambiente? Mande sua resposta para [email protected].
O consumo de recursos naturais pelos seres humanos representa 125% do que o planeta é capaz de suportar, e chegará a 170% em 2040.
Você sabia que…?
* O valor estabelecido pelo Protocolo de Kyoto para redução das emissões de gases de efeito estufa, aos padrões de 1990, está muito distante das bases científicas. Fixado por critério político, o percentual de redução de 5%, como tem sido amplamente divulgado, é retórico. Os organismos da ONU constatam que em 2012 deveríamos imprimir uma redução de 60%, e não 5%, da carga de emissão de 1990. *
* Estudos científicos não deixam dúvidas sobre os impactos nas dimensões ambiental, social e econômica. A destruição de ecossistemas já está provocando a morte de mais de 300 mil pessoas por ano no mundo. Não faz muito tempo a Universidade da ONU revelou que o movimento migratório dos chamados refugiados climáticos já começou e pode atingir uma escala sem precedentes na História. As previsões são sombrias: o número de refugiados seria de 200 milhões até 2050 e pode chegar a 700 milhões no pior dos cenários se nada for feito.
* O mundo globalizado está também muito distante do que seria aceitável em relação à distribuição de renda e inclusão no mercado. A falta de acesso à energia por significativa parcela da população mundial reflete o grau de desigualdade. Estima-se, por exemplo, que o número de pessoas usando fontes tradicionais de biomassa para cozinhar, com lenha e outras matérias orgânicas, aumentará de 2,5 bilhões de hoje para 2,7 bilhões em 2030 caso não haja uma mudança de políticas. O número de pessoas que morrem, anualmente, por intoxicação pela fumaça produzida pela queima da biomassa utilizada como energia chega a 1,3 milhão.
* Uma pesquisa do Instituto Gallup, de âmbito internacional, destaca a erradicação da pobreza como uma das questões mais prementes. Também mereceram destaque outros itens que estão diretamente relacionados ao combate à miséria: crescimento da economia e redução das desigualdades, via aproximação, entre nações ricas e pobres.