Por Luis Paulo Luppa
Como lidar com a solidĆ£o em vendas?
LĆ” se vĆ£o mais de 20 anos, e Ć© impressionante como passa rĆ”pido.
Era aquele tempo em que, para falar com a matriz para transmitir os pedidos de vendas do dia, era necessĆ”rio ir a uma loja, comprar fichas de orelhĆ£o, encarar uma fila e, depois, ficar ouvindo āabobrinhasā do pessoal pelo tempo que ficava ao telefone ā e a fila ia aumentando. Tinha a opĆ§Ć£o de passar o pedido por telex, mas o pessoal de vendas internas reclamava que dava mais trabalho.
Naquela Ć©poca, controlĆ”vamos os clientes por fichas, que, de tanto manusear, ficavam apagadas em certos pontos e impediam uma anĆ”lise de preƧo, pois era uma Ć©poca em que se vendiam preƧo e prazo ā e ponto-final. Era um tempo no qual o gerente de vendas te ligava em casa Ć noite para saber como havia sido o dia de trabalho. Existiam poucos recursos, mas muita transpiraĆ§Ć£o.
Quase tudo mudou de lĆ” para cĆ”. E, nesta semana, deu saudades, pensei muito no meu tempo de vendedor de pasta, de rua, e percebi que hĆ” uma coisa que nĆ£o mudou: continuo viajando bastante. O que mudou Ć© que, naquela Ć©poca, eu viajava de Vasp. Os bilhetes eram carbonados, carĆssimos. Eu fazia a ponte aĆ©rea Rio-SĆ£o Paulo de Electra e vinha durante um pouco mais de uma hora rezando para as hĆ©lices nĆ£o pararem de girar.
No inĆcio, eu ficava 45 dias viajando, porque nĆ£o dava para voltar nos fins de semana de Manaus, de Fortaleza e de outras cidades distantes do Rio de Janeiro. Era muito caro. EntĆ£o, nĆ³s, vendedores, tĆnhamos de rentabilizar a viagem. O que eu aprendi Ć© que, depois de um certo tempo, a produtividade, a criatividade e a prĆ³pria motivaĆ§Ć£o sĆ£o tomadas por um sentimento devastador: a saudade. E nenhuma terapia Ć© mais eficaz que a solidĆ£o de um quarto de hotel.
HotĆ©is de poucas estrelas, pouco conforto e cidades de muitas opƧƵes para quem tinha, na Ć©poca, recursos escassos. EntĆ£o, uma televisĆ£o e um bom ar-condicionado jĆ” eram diferenciais competitivos importantes. Computador, internet… isso nĆ£o existia. Certo mesmo era a confecĆ§Ć£o do relatĆ³rio de visitas e a solidĆ£o. AĆ, uma cervejinha para cĆ”, outra para lĆ”, atĆ© pegar no sono. O interurbano era carĆssimo, por isso falar com a famĆlia nĆ£o acontecia todo dia.
Vendedor viajante nĆ£o Ć© para qualquer um, mas Ć© o que dĆ” bagagem de vendas. A solidĆ£o das refeiƧƵes e o mesmo papo todos os dias com os recepcionistas e garƧons do hotel vĆ£o dando uma sensaĆ§Ć£o de que o seu mundo Ć© bem pequenininho. Mas nĆ£o Ć©.
Naquela Ć©poca, descobri o prazer pela leitura, que me trouxe muitos benefĆcios. Descobri que, se eu nĆ£o me relacionasse com os clientes, minha solidĆ£o seria maior ainda, e acabei juntando a fome com a vontade de comer: desenvolvi amigos, e nĆ£o clientes. A solidĆ£o do quarto de um hotel deu vez a encontros com meus clientes-amigos, pois a relaĆ§Ć£o originava convites e mais convites para encontros sucessivos. JĆ” jantei muitas vezes na casa de clientes com suas famĆlias e fui diversas vezes a sĆtios de clientes e participei de churrascos e de momentos inesquecĆveis.
Descobri que investir em relacionamento Ć© ter a venda como missĆ£o, e nĆ£o como tarefa. O real propĆ³sito da venda Ć© a construĆ§Ć£o de laƧos entre as pessoas por meio de benefĆcios mĆŗtuos. Hoje, vejo isso tudo com orgulho, pois Ć© a base da minha formaĆ§Ć£o como vendedor, e Ć© sempre bom lembrar que, para comer a cocada, Ć© preciso ralar o coco.
NĆ£o se afogue na solidĆ£o do quarto de hotel quando estiver viajando nem normatize suas passagens pelas igrejas locais, busque o relacionamento.
No meu site, hĆ” uma mĆŗsica que eu canto que resume muito bem o que era, para mim, a solidĆ£o de um vendedor viajante. Se puder, ouƧa! Chama-se Novo cĆ©u e estĆ” na pĆ”gina Luppa, do site: www.luispauloluppa.com.br.
ā… tĆ£o distante num quarto de hotel,
Novo som, novo cƩu, no ar,
Ć demais a saudade que invade, Ć© o jeito tentar suportar…ā