VocĂȘ pode cobrar mais e dar menos desconto

“TĂĄ caro!!!”
Essa talvez seja a frase mais ouvida pelo vendedor. NĂŁo importa qual o produto ou serviço, lĂĄ vem a frase de sempre. “TĂĄ caro”.
E culpam a crise, os clientes que nĂŁo aparecem… mas… se a situação Ă© tĂŁo grave assim, como Ă© que o mercado de itens de luxo continua a crescer? Como Ă© que novas empresas surgem, muitas vezes, cobrando mais caro que as companhias estabelecidas?
Acrescente-se à isso uma dificuldade a mais: os anos de inflação fizeram com que tanto as empresas como os clientes perdessem a noção de valor. A inflação se foi, as pessoas criaram um conceito de quanto determinado produto ou serviço vale, mas algumas empresas não se adaptaram. Sem conhecer anålise de custos e os clientes, muitas empresas cobram mal por seus serviços e produtos. E algumas não cobram tudo o que poderiam.
Para Marcos Cortez Campomar, professor de marketing da FEA-USP, diretor da FEA-USP de RibeirĂŁo Preto e consultor de empresas, o empresariado brasileiro nĂŁo aprendeu ainda a reduzir os custos dos produtos. “E o consumidor brasileiro nĂŁo Ă© sensĂ­vel ao preço, nĂŁo se acostumou com o preço fixo. Se o produto sofre um reajuste pequeno, o consumidor nem percebe. Por isso que as empresas aumentam aos poucos, em mais vezes. É um aumento de 3%, o consumidor nem sente. Mas no fim das contas foram trĂȘs, quatro aumentos de 3% no ano, no final isso faz muita diferença. O consumidor brasileiro tem vergonha de pedir desconto. Quando compramos uma roupa em uma loja, por exemplo, Ă  vista ela tem um preço e parcelado Ă© mais cara. Mas se quisermos comprar Ă  vista nĂŁo teremos o desconto proporcional ao aumento que terĂ­amos se fosse parcelado, mas ninguĂ©m reclama”.
Adicione-se a isso a forma antiga de negociar, em que vendedor e comprador se encaram como se a negociação fosse uma batalha e sua Ășnica função fosse levar vantagem sobre o ?inimigo?, onde cada centavo a mais ou a menos Ă© tratado nĂŁo como algo inerente ao serviço ou produto, mas como um territĂłrio no qual fincamos nossa bandeira. Essa forma distorcida de tratar o preço de algo prejudica a todos, empresa, vendedores e compradores.

Surpresa ? Para o consultor Carlos Hillsdorf, hĂĄ uma falta de planejamento nas empresas. “Temos no mercado as duas realidades que variam de acordo com o setor, segmento e dimensĂŁo do negĂłcio e do grau de sua profissionalização. Mas, ainda espanta, encontrarmos muitos empresĂĄrios ingenuamente calculando preços baseados somente em custos e colocando uma margem de lucro sem nenhum embasamento mercadolĂłgico. Lembremos que, hoje, o mercado para a grande maioria dos produtos e serviços, Ă© quem define o preço.” É o chutĂŽmetro em ação, desrespeitando a todos e fazendo a festa para os concorrentes um pouco mais preparados.
Ramatis Rodrigues, diretor comercial e de logĂ­stica do Grupo Sonae (que inclui os Supermercados Big, Mercadorama, entre outros), mostra o exemplo correto de se definir o preço: “Sempre Ă© feita uma anĂĄlise sobre variação de custo de matĂ©ria-prima e uma pesquisa de mercado, tanto com os concorrentes do fornecedor em questĂŁo quanto com nossos concorrentes. A partir daĂ­, entramos em negociação para ajustarmos descontos necessĂĄrios para garantirmos nossa competitividade e resguardarmos ao mĂĄximo nossos clientes”.
E isso funciona nas duas pontas. VocĂȘ pode garantir sua competitividade e resguardar seu cliente com preço alto ? desde que adicione valor para tanto e seja isso que ele deseja.

Adicionando valor ? Veja, por exemplo, o Restaurante Fasano, localizado em SĂŁo Paulo. Ao se posicionar (e ter tal posicionamento aceito ? nĂŁo adianta nada dizer que vocĂȘ Ă© alguma coisa se ninguĂ©m acredita) como o melhor restaurante do Brasil, ele tem liberdade de cobrar um preço adequado a tal fama. E, segundo Dudi Machado, relaçÔes pĂșblicas do grupo Fasano, adiciona-se valor desde a porta de entrada. Ele diz que a gastronomia do Fasano Ă© o principal motivo que leva uma pessoa ao restaurante, mas ela tambĂ©m espera receber um serviço impecĂĄvel e fazer parte de uma experiĂȘncia social Ășnica. É o valor de fazer parte de um determinado grupo, de dizer para os amigos e parentes “Comi no Fasano”. Dudi diz que “o cliente tem de se sentir satisfeito no sentido mais amplo da palavra”. E qualquer tipo de cliente, “desde um freqĂŒentador assĂ­duo e fiel que jĂĄ conhece o restaurante, um casal que nunca veio e quer fazer uma comemoração especial, um executivo estrangeiro de passagem pela cidade ou uma pessoa de fora de SĂŁo Paulo que vem especialmente pela gastronomia e que quer conhecer o restaurante”.
PĂșblico, como se vĂȘ, hĂĄ. Cabe ao vendedor descobrir as necessidades desse pĂșblico. EugĂȘnio do Carvalhal, coordenador do Curso de Formação de Negociadores da Fundação GetĂșlio Vargas, RJ, diz que necessidades sĂŁo sentidas individualmente por clientes diferentes. “Os bons negociadores sĂŁo hĂĄbeis identificadores das necessidades das pessoas. Conhecer a natureza e as implicaçÔes da hierarquia das necessidades de Maslow Ă© fundamental para qualquer vendedor. Produtos bĂĄsicos estĂŁo prioritariamente vinculados Ă s necessidades de fisiolĂłgicas e produtos de luxo estĂŁo associadas Ă s necessidades sociais, de estima (status) e realização pessoal.” Para ele, capacitar vendedores nesse aspecto Ă© uma tarefa nĂŁo-delegĂĄvel de gerentes comerciais e de vendas.

O que Ă© o preço? ? Para o professor Lino Nogueira Rodrigues Filho, que leciona EstratĂ©gia de Preços no curso de MBA Internacional da USP, o preço representa o equilĂ­brio entre a expectativa de benefĂ­cios do cliente e o lucro desejado pela empresa. “AlĂ©m disso, o preço define a imagem de uma empresa”. Se, por exemplo, a mĂ©dia dos produtos de uma categoria Ă© dez e alguĂ©m vende por cinco, o consumidor vai olhar para aquela marca com certa desconfiança, quer queira ou nĂŁo. Ao contrĂĄrio, se a marca for muito mais cara que seus concorrentes mais diretos, vai se procurar um motivo. Se estĂŁo cobrando tanto, Ă© porque deve haver um diferencial. Se o vendedor conseguir passar tal motivo de maneira eficiente, entĂŁo nĂŁo hĂĄ nada caro. É esse o ponto em que muitos vendedores costumam falhar. Eles nĂŁo sabem transformar o “tĂĄ caro” dos clientes em uma oportunidade de fechar um bom negĂłcio.
Marijone Ribeiro, gerente operacional da Rede de Fast-food Giraffas, mostra que, muitas vezes, o preço inicial não é o problema, desde que a empresa possa contar com um relacionamento a longo prazo. ?Trabalhamos com previsÔes anuais de reajustes vinculadas ao aumento dos preços das matérias-primas componentes dos produtos. Costumamos pedir aos fornecedores para que nos ofereçam um período de estabilidade de pelo menos seis meses sem reajuste?.
Fica a lição. De nada adianta trabalhar apenas com o preço atual dessa compra para o cliente. Uma das maneiras de vencer o “tĂĄ caro” Ă© colocando outros itens em pauta, como um relacionamento a longo prazo. Surgem imprevistos? LĂłgico, mas quanto mais sua empresa planejar, menos imprevistos aparecerĂŁo no caminho.
O professor EugĂȘnio do Carvalhal diz que o segredo Ă© formar gordura durante a parceria. Ou seja, a empresa deve dispor de reservas de ganhos de escala de produção e decorrentes de aumentos de produtividade. Em momentos crĂ­ticos, o que se deixou de gastar, muitas vezes, Ă© o que salva a empresa. Se ainda nĂŁo tem o hĂĄbito de buscar maneiras de realizar o mesmo trabalho gastando menos, estĂĄ mais do que na hora de rever seus conceitos.

Produtos e serviços iguais ? EugĂȘnio alerta que nem sempre Ă© possĂ­vel escapar de se tornar um commoditie, isto Ă©, um produto ou serviço muito parecido com todos os outros. Nesse grupo, o preço Ă© o fator definidor. “Mas podem existir diferenciais, associados aos prazos, embalagens, quantidades, entre outros. O bom negociador procurarĂĄ identificar que diferenciais o cliente poderĂĄ valorizar.”
O restaurante Fasano, por exemplo, entende isso como investimento em todos os setores: compras, cozinhas, funcionårios que atendem aos clientes. ?Deve haver uma constante preocupação com o aperfeiçoamento em todos os setores sem distinção, todas as frentes são prioridade?, diz Dudi.
NĂŁo hĂĄ, entĂŁo, desculpa para nĂŁo adicionar valor a seu produto. Lino dĂĄ algumas dicas. Segundo ele, os principais fatores que criam valor para o cliente sĂŁo:

  • ConveniĂȘncia
  • Disponibilidade
  • Funcionalidade
  • Relacionamento

Outros fatores importantes na hora de definir o preço de seu produto:

  • Desenvolva um banco de dados para registrar o valor gerado para o cliente em cada transação. O que foi oferecido, o que foi acertado, a que ele reagiu mais, quais sĂŁo seus valores?
  • Escolha clientes ou situaçÔes de compra em que esse valor seja reconhecido. Para determinado pĂșblico, uma caneta MontBlanc nĂŁo tem um valor intrĂ­nseco muito maior do que uma Bic comum. As duas servem para escrever e pronto. Agora, hĂĄ um pĂșblico que enxerga e valoriza a MontBlanc. NĂŁo precisa nem falar para qual pĂșblico as vendas serĂŁo mais bem-sucedidas.
  • Cumpra suas promessas. Se vocĂȘ nĂŁo cumprir, nĂŁo respeitar o que ofereceu, o cliente terĂĄ bons motivos para negociar, e essa negociação se concentrarĂĄ no preço.
  • Mostre coragem. Oferecer valor real ao cliente requer isso. Selecionar determinados clientes ou situaçÔes de compra e afastar-se intencionalmente de outros requer um grau muito maior de coragem.

A hora da negociação ? Alessandra Fonseca, gerente de produto da McCain do Brasil, empresa de alimentos congelados, diz que honestidade Ă© fundamental na hora de negociar. “Quando necessĂĄrio, podemos abrir nossa planilha de custos a determinados clientes. Somos bastante transparentes e nossa equipe de vendas conhece os componentes desse custo e estĂĄ preparada para explicar suas variaçÔes.”
EugĂȘnio diz que Ă© preciso saber barganhar atĂ© o limite certo, que nĂŁo Ă©, nem de perto, o preço mĂ­nimo. “A arte de fazer e de obter concessĂ”es implica em saber analisar a amplitude dos movimentos e a sua freqĂŒĂȘncia, assim como perceber os movimentos e a amplitude que a outra parte estĂĄ aplicando. Para utilizar a barganha de uma forma eficaz o negociador deve ter dado passos seguros jĂĄ no planejamento da negociação, coletando informaçÔes sobre o mercado, faixas de preços, limites mĂ­nimos e mĂĄximos, valores praticados pela concorrĂȘncia, etc.”
Outra dica, vinda da rede de lavanderias 5Ă Sec: JosĂ© TibĂ©rio, diretor operacional da empresa diz que, alĂ©m da transparĂȘncia de explicar para o cliente o motivo de determinado preço, quando Ă© preciso reajustar, Ă© melhor nĂŁo subir todo o seu catĂĄlogo de uma vez. “Como possuĂ­mos um menu de produtos relativamente grande e nem todos sĂŁo reajustados ao mesmo tempo, isso ajuda na explicação ao cliente, que sente os aumentos e sempre questiona. Nossos maiores insumos sĂŁo de empresas de serviços pĂșblicos e derivados de petrĂłleo, o que possibilita um entendimento maior por parte dos clientes”.
Carlos Hilsdorf diz que uma negociação é um encontro de informaçÔes, interesses, objetivos, tempo, argumentos, poder e expectativas. Prevalece o melhor conjunto, a melhor estratégia na mão do melhor negociador. Para evitar que o preço chegue ao mínimo, no jogo das concessÔes, precisamos estabelecer de forma clara:

  • Qual Ă© o mĂ­nimo absoluto que estamos dispostos a receber para fechar o negĂłcio?
  • Qual Ă© o mĂĄximo justo que podemos obter com o fechamento do negĂłcio?
  • Quanto Ă© o mĂĄximo (considere que a outra parte, muitas vezes, estĂĄ blefando) que o outro negociador estĂĄ disposto a pagar?
  • Qual Ă© o limite viĂĄvel de nossas concessĂ”es e flexibilizaçÔes, considerando o momento atual e negĂłcios futuros?
  • Quais serĂŁo as provĂĄveis concessĂ”es que nos serĂŁo solicitadas, bem como as faremos em contrapartida?
  • Quais serĂŁo as repercussĂ”es atuais e futuras oriundas desta negociação?

Feito isso, trabalharemos para obter o melhor resultado possível realizando progressivamente as concessÔes possíveis com relação aos preços. Devemos ficar atentos para o vício de conceder muitas, ou todas, as concessÔes logo de saída, isso não é negociação e sim amadorismo.
O preço não deve ser reduzido sem uma premissa ou contrapartida lógica. Podemos vincular a diminuição do preço com o aumento da quantidade, com a diminuição do prazo, com uma amarração de um novo negócio ou contrato, apenas para dar breves exemplos.

Para saber mais:
Visite os sites:
Lino Nogueira Rodrigues Filho
www.sbkbusiness.com.br

Marcos Cortez Campomar
www.fea.usp.br

Carlos Hilsdorf
www.carloshilsdorf.com.br

EugĂȘnio do Carvalhal
[email protected]

Colaboraram nesta matéria: Germano Assad e Karen Jardzwski

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